Líder da equipe que elaborou o manual usado ao redor do mundo para diagnosticar transtornos psiquiátricos (DSM-IV), Allen Frances questiona a medicalização dos problemas cotidianos no livro Voltando ao Normal, recém lançado no Brasil pela editora Versal.
Qualquer mudança no manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM), referência mundial da psiquiatria, pode tirar milhões de pessoas do campo da normalidade. Consciente disso, o psiquiatra americano Allen Frances, líder da equipe que elaborou a redação da quarta e mais importante revisão da publicação, recusou praticamente todas as sugestões de transtornos a serem incluídos no manual, lançado em 1994. Mas com relação ao déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), achou pertinente afrouxar um pouco os critérios para facilitar sua identificação entre as meninas.
Com as mudanças, Frances calculava que a incidência de casos fosse aumentar de forma muito discreta, mantendo-se dentro dos 2% a 3% da população infantil. Mas os ajustes na definição somaram-se a uma combinação de fatores sociais e culturais que as garras oportunistas da indústria farmacêutica não deixaram escapar. E o índice de diagnósticos do transtorno disparou no mundo todo, chegando a quadruplicar nos Estados Unidos.
Frances não nega sua parcela de culpa. Por isso foi incapaz de observar passivamente o fenômeno do hiperdiagnóstico, – do qual o TDAH é um bom exemplo, mas não é o único. Abandonou a tranquilidade da aposentadoria para sair em defesa da normalidade. Lançou-se a um trabalho de conscientização da necessidade de repensarmos os limites que separam o normal do patológico. Limites que ficaram ainda menos nítidos com o lançamento da quinta revisão do manual (DSM-5), em 2013, trazendo uma série de novos distúrbios e, no caso do TDAH, critérios ainda mais frouxos e subjetivos.
Suas considerações e críticas sobre o atual sistema de diagnóstico e a influência da indústria farmacêutica na formação de uma sociedade cada vez mais dependente das pílulas estão no livro Voltando ao Normal, que a editora Versal está lançando em todo o Brasil.
Ele ressalta que, uma vez fechado um diagnóstico psiquiátrico – o que lamentavelmente é feito, na maioria das vezes, em uma única e rápida consulta – é difícil livrar-se do estigma que ele traz: muda-se o futuro, mudam-se as expectativas do paciente. E, salvo raras exceções, a informação fatalmente vem acompanhada de uma receita médica, o que explica o aumento catastrófico na venda de psicotrópicos nos últimos anos.
Ao criar a necessidade das pílulas, tira-se da pessoa o poder de acreditar na própria capacidade de superação, ignorando que a resiliência sempre foi uma das grandes virtudes da humanidade.
“A medida que somos levados mais e mais em direção à medicalização da normalidade, vamos perdendo contato com nossas capacidades de autocura e esquecemos que a maioria dos problemas não são doenças e que apenas raramente a melhor solução para eles está nas pílulas”, escreve em seu livro.
Não que Frances seja absolutamente contra a medicação. Pode fazer uma grande diferença na vida das pessoas que realmente precisam, costuma dizer. Mas enfatiza que esses casos são raros e que as diferenças que separam a normalidade do transformo severo – seja qual for – são geralmente bastante evidentes. A maioria das pessoas que utiliza os psicotrópicos, crianças inclusive, está recorrendo à medicação para enfrentar preocupações cotidianas e problemas sociais que apenas recentemente deixaram de ser normais.
Para ver a entrevista de Frances em que ele detalha as opiniões mencionadas acima, acesse o site The Huffington Post
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