Você acredita em Deus? Essa pergunta carrega um sério problema de linguagem. Consideremos que eu pergunte isso para um brasileiro, que é um indivíduo nascido em um país predominantemente cristão, sendo assim, provavelmente ele irá pensar que me refiro ao Deus cristão. Se ele responde que acredita, posso pensar que ele refere-se à Bíblia, logo, estaremos de acordo. Aceitamos a mesma concepção, ainda que normalmente cristãos não vejam Deus como conceito ou concepção.
Contudo, se eu fosse indiano, um brasileiro poderia me responder que acredita em Deus. Isso me deixaria satisfeito, mas ocorre aqui um problema de linguagem: não falamos sobre a mesma coisa. Até mesmo católicos e evangélicos enfrentam problemas de linguagem, pois, convenhamos que são concepções diferentes (um Deus ouve sua mãe e outro não, tendo portanto “personalidades” diferentes).
Por mais que católicos afirmem que o evangélicos não interpretam bem as escrituras (e vice-versa), o fato é que são conceitos diferentes de Deus (qual deles está certo, diria Sócrates, só o Deus sabe). Sendo assim, Deus é um conceito e como tal precisa de um acordo para que a pergunta “você acredita em Deus?” seja respondida. O religioso não pensa assim, afinal, seu Deus é o certo e sua concepção é a certa. Caso contrário não seria religioso.
Se pergunto isso para um ateu, ele pode dizer que não acredita em Deus. Mas ele pode aceitar que existe uma inteligência ordenadora e impessoal na natureza que não “ouve” orações. Dizendo que chamo isso de Deus, ele pode dizer que acredita nessa ideia. De certa maneira, somos ateus de outros deuses, pois cristãos negam a concepção indiana e vice-versa, só para dar um exemplo. Mesmo o ateu é adepto de algo, ou melhor, de um “não deus”, e ele acredita nisso de forma quase religiosa sendo, portanto, um tipo religioso (isso se aceitarmos a concepção de “religioso” enquanto dogmático). Um tipo não religioso não se diz ateu e nem se interessa por conversas dessa natureza.
Deus e a filosofia da linguagem
A filosofia da linguagem se pergunta essas coisas: “o que é Deus para você?” ou “o que é verdade para você?”. Ela se pergunta essas coisas para evitar problemas de linguagem. A filosofia quer saber qual o conceito adotado, mas, agindo assim, pode ferir visões religiosas (um religioso diria: “ora, o Deus único é o conceito único”). Wittgenstein afirmou que existem coisas que não podem ser ditas, e Deus seria uma delas. Ele aconselha que não procuremos imediatamente o significado de uma palavra no dicionário, mas, antes, perguntemos a quem disse tal palavra (o significado é dado pelo significante). Deus, portanto, é uma palavra e precisa de uma definição. Se não consigo defini-la, melhor então não dizê-la.
O conselho de Descartes
Descartes deu um valioso conselho para os crentes de todas as crenças. Filósofo viajante que era, afirmou: “É bom conhecer outras culturas para que não julguemos ridículos os hábitos de outros povos, como fazem aqueles que nada viram”. Sobre Deus, seria bom guardar para nós nosso conceito, pois, ele será sempre pessoal e incomunicável. Se meu conceito me deixa pleno e satisfeito, ele será o Deus do meu coração. Que importa o que outros pensam sobre algo tão íntimo? Contudo, se meu Deus obriga que outros aceitem meu conceito, então chegou a hora de rever meus conceitos. Ou estudar um pouco de filosofia da linguagem.
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