Não se passa muito tempo sem que eu me defronte novamente nas redes sociais com certa frase do educador Paulo Freire:

“Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor”.

Refletindo a respeito, é preciso perceber que a implicação da frase de Freire vai muito além do âmbito educacional. Ao almejar ocupar o lugar do opressor, inconscientemente o indivíduo deseja a manutenção da estrutura social ampla na qual ele hoje se sente oprimido, na esperança que um dia seja ele a oprimir.

Marxistas e Frankfurtianos nos advertiriam sobre a influência ideológica na consecução desse paradigma pela classe dominante. E creio que nem mesmo o maior dos direitistas poderia negar tal poder de consolidação ideológica, bem como a existência de mecanismos intencionalmente mantidos com tal fim. Não obstante, seria muita ingenuidade acreditar que existiria um sistema econômico ou governamental que não se valesse de tais artifícios para a manutenção do poder – ou, num contexto ainda mais manipulador, para a manobra de massas para a conquista do mesmo.

Todavia, a intenção não é trazer à baila uma disputa em termos de posicionamento direita-esquerda ou socialismo-capitalismo. O importante aqui é evidenciar o que está implícito na frase de Freire acima citada; que até as posições ideológicas que se querem mais justas acabam por “apelar”, no arrebanhamento de seus seguidores, ao desejo subjetivo de ocupar a posição do opressor. Ou seja, estruturalmente nada muda. E, talvez, nisso esteja o cerne do fracasso das tentativas, bem como da impossibilidade de se implementar atualmente uma sociedade realmente justa e igualitária: não necessariamente o desejo de mudança de massas opositoras não se baseia essencialmente na busca de relações sociais mais justas. Quiçá, se baseie inconscientemente naqueles desejos que alguns apontam como os mais instintivos e primitivos, como o egoísmo e o desejo de dominação. O que me faz lembrar Nietzsche:

“Percorrestes o caminho que medeia do verme ao homem, e ainda em vós resta muito do verme.”

Sim! Se não totalmente, ao menos em parte precisamos concordar com Nietzsche e, dessa forma, perceber o que os donos do poder já sabem e utilizam muito bem a seu favor, ou seja, que até as nossas ações quistas como as mais altruístas podem disfarçar os nossos desejos mais egocêntricos. O próprio Nietzsche nos adverte amiúde sobre essa incoerência:

“Mas uma coisa é o pensamento, outra é a ação e outra ainda é a imagem da ação: a roda da causalidade não gira entre elas.”

Dessa forma, o pensamento de Nietzsche oferece subsídios para perceber a profundidade da frase e do pensamento de Freire e o quanto ela é empobrecida ao ser frequentemente veiculada de forma indiscriminada e descontextualizada – embora nesse caso essa gravidade seja diminuída pelo fato da frase ser praticamente um aforismo. Nesse contexto, cabe outra ideia de Freire que dialoga com a citação anterior:

“É fundamental diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz, de tal forma que, num dado momento, a tua fala seja a tua prática.”

Assim, o próprio Freire acena o caráter processual inerente à construção de uma educação verdadeiramente transformadora, aquela em que a busca de se construir uma sociedade mais justa e igualitária se sobreponha ao desejo de ocupar uma posição individualmente privilegiada. Se Nietzsche nos admoesta acerca do arraigamento de nossas ações e posturas, Freire nos diz que justamente na busca da superação dessas limitações se encontra as bases de uma educação libertadora. Uma empreitada que alguns poderiam chamar de utópica (em sentido equivocadamente pejorativo), mas que se mostra necessária e indispensável. Ou, estaríamos satisfeitos com nossa presente estrutura social e deveríamos perpetuá-la, na esperança que um dia ocupemos uma posição privilegiada? A resposta para tal pergunta nem sempre será honesta e, muito frequentemente, poderá oscilar em cada um de nós entre o sim e o não.







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