Das utopias
Se as coisas são inatingíveis… ora!
Não é motivo para não querê-las…
Que tristes os caminhos se não fora
A mágica presença das estrelas!
– Mario Quintana, do livro “Espelho mágico”, 1945-1951.
Da observação
Não te irrites, por mais que te fizerem…
Estuda, a frio, o coração alheio.
Farás, assim, do mal que eles te querem,
Teu mais amável e sutil recreio…
– Mario Quintana, do livro “Espelho mágico”, 1945-1951.
Bilhete
Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda…
– Mario Quintana, do livro “Esconderijos do tempo”, 1980.
Seiscentos e sessenta e seis
A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são 6 horas: há tempo…
Quando se vê, já é 6ªfeira…
Quando se vê, passaram 60 anos…
Agora, é tarde demais para ser reprovado…
E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio.
seguia sempre, sempre em frente…
E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.
– Mario Quintana, do livro “Esconderijos do tempo”, 1980.
Confissão
Que esta minha paz e este meu amado silêncio
Não iludam a ninguém
Não é a paz de uma cidade bombardeada e deserta
Nem tampouco a paz compulsória dos cemitérios
Acho-me relativamente feliz
Porque nada de exterior me acontece…
Mas,
Em mim, na minha alma,
Pressinto que vou ter um terremoto!
– Mario Quintana, do livro “Velório sem defunto”, 1990.
Madrigal
Tu és a matéria plástica de meus versos, querida…
Porque, afinal,
Eu nunca fiz meus versos propriamente a ti:
Eu sempre fiz versos de ti!
– Mario Quintana, do livro “Velório sem defunto”, 1990.
Inquietude
Esse olhar inquisitivo que me dirige às vezes nosso próprio cão…
Que quer ele saber que eu não sei responder?
Sou desse jeito… Vivo cercado de interrogações.
Dinheiro que eu tenha, como vou gastá-lo?
E como fazer para que não me esqueças?
(ou eu não te esqueça…)
Sinto-me assim, sem motivo algum,
Como alguém que estivesse comendo uma empada de camarão sem
camarões
Num velório sem defunto…
– Mario Quintana, do livro “Velório sem defunto”, 1990.
Quando eu me for
Quando eu me for, os caminhos continuarão andando…
E os meus sapatos também!
Porque os quartos, as casas que habitamos,
Todas, todas as coisas que foram nossas na vida
Possuem igualmente os seus fantasmas próprios,
Para alucinarem as nossas noites de insônia!
– Mario Quintana, do livro “Velório sem defunto”, 1990.
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