Artigo originalmente publicado pelo site Razão Inadequada

“o tempo (capítulo dois)
tem direito de se meter
em tudo, coisa boa ou má.
porém — ele que pulveriza montanhas
remove oceanos e está
presente na órbita das estrelas,
não terá o menor poder
sobre os amantes, tão nus
tão abraçados, com o coração alvoroçado
como um pardal na mão pousado.”
– Wislawa Szymborska

Onde está o amor? É difícil de saber. Que horas são? Estamos cansados, muito atrasados. O coelho olha no relógio… “é tarde, é muito tarde”. O amor acontece sempre “mal feito, depressa, fazer a barba e partir”. Ele se assusta, foge, se esconde, se perde. Mas se tentamos defini-lo tantas vezes não é para prendê-lo, e sim para que possamos vivê-lo melhor.

Nos ensinaram duas formas de amar. A primeira pode ser comparada com um quadro: existem amores que querem a eternidade. A prudência se torna senhora de toda a dinâmica, nada pode sair do lugar, a tinta seca, o amor fica enquadrado numa moldura pesada. Existem amores que se conservam, param o tempo.

Não há restrições, o amor se tornou eterno. Todos queremos enquadrar o amor na parede, todos querem sentir o que há de eterno naquilo que é passageiro. Imagem capturada. Mas na “parede da memória” estão os quadros que doem mais. Por que se fala hoje tanto de amor? Não seria uma forma renovada de niilismo pensar este sentimento como o portador da eternidade? O amor não é imortal, ele é infinito apenas enquanto dura.

A segunda forma de amor é fogo que arde sem se ver, é a chama que consome a matéria e deixa apenas cinzas. Confunde-se amor com paixão, ele consome a si mesmo, podemos compará-lo com uma canção: um beijo de três minutos, uma noite no motel. Como músicas pasteurizadas que tocam na rádio, introdução, verso, refrão, solo, refrão, fim, acabou, próxima. A fórmula se repete. O mesmo tom, os mesmos acordes, mas o principal é a gravadora por trás que dirige tudo para que no fim termine exatamente igual. Música capturada, passa, mas nada se passa. Tempo como reflexo da eternidade. O amor é a música que toca no rádio, top five, top ten, top thousand songs. É tudo muito rápido, cinco minutos e já vem outra.

Dois modos de amar, mas o mesmo amor sem graça. Convenhamos, é possível amar sem realmente amar alguém. Nosso objetivo? Aprender a desplatonizar amores, encontrar outras formas de amar, para além destas duas. Afinal, um instante de amor não é em vão, é na verdade um vão que se abre no infinito para deixar o ar e a claridade entrarem. O instante é apenas a amostra grátis da eternidade! Podemos fazer uma vida de vários instantes, sem que isso nada signifique, nossa pergunta é como fazer um instante durar?

Primeira tarefa: transformar o quadro em mapa. Aprender a olhar para ele não como um reflexo da eternidade, mas como uma mapa de afetos: para onde vai? Que regiões indica? Onde é perigoso? Onde queremos nos aventurar? Um quadro não é um espelho, não é um reflexo, é um mapa. E nós somos cartógrafos.

Salvar o amor da vida eterna e da cara metade! Não há metade da laranja nem tampa da panela, nosso coração não se encaixa nestas formas gastas. O amor da vida é um amor na vida, a duração é sua única medida. O eterno retorno nos oferece uma trilha poucas vezes trilhadas pelos amantes:

“Este amor, como você o está vivendo e já viveu, você terá de viver mais uma vez e por incontáveis vezes; e nada haverá de novo nele, mas cada dor e cada prazer e cada suspiro e pensamento, e tudo o que é inefavelmente grande e pequeno em seu amor, terão de lhe suceder novamente, tudo na mesma sequência e ordem”

Um amor nunca se repete, nunca… por isso de nada vale procurar o mesmo amor em outra pessoa. Mas vale se perguntar: queremos que o amor retorne? Claro! Queremos que a potência de amar retorne! E ela sempre retorna, se se diz sim, se há um amor-fati em cada amor, ele sempre retorna como mais potência de amar. Que o amor retorne eternamente, não o mesmo amor, não a mesma cena, mas o que há de afirmativo em seu ato!

Segunda tarefa: Transformar a música que acaba em ritornelo. As músicas de jazz funcionam assim, elas não têm uma medida exata, duram enquanto durar a potência de afirmação, como uma criança brincando. O chorus pode voltar inúmeras vezes! “É isto o amor, pois bem, da capo então!“. A repetição serve para dar potência, funciona para recolher novamente as peças e ganhar mais velocidade, mais força, mais altura. O que retorna é sempre a potência. Fazer da conservação uma ferramenta da criação, isto que o jazzistas fazem, isso que os amantes devem fazer!

O amor no tempo não é o reflexo imperfeito de um amor da eternidade. Não se pode imitar a eternidade achando que se escapa do tempo. Quando me apaixono não é porque quero enquadrá-lo, nem para que ele se consuma como fogo na palha. O amor não é eterno, é um eterno retorno, o amor não é uma música que passa, ele é um ritornelo que cresce, ganha corpo e consistência.

O que podemos esperar de um amor? Que o tempo pare ou que o tempo dure? Criar uma maneira de estar entre o instante e a eternidade! Acreditamos que não existem apenas dois modos de amar, mas vários. É necessário então encontrar devires ainda não explorados. Caminhos novos que não morram em um quadro empoeirado de museu nem se queimem rápido como a madeira seca no fogo. Não queremos amar pela metade, nem queremos dividir o amor em dois. Que nos seja permitido fazer o instante durar, enquanto houver intensidade, extensidade, enquanto houver vida. Ir além de si, inaugurar territórios novos, um amor suave, um devir-nuvem. Amar é devir! Ele se faz na convergência entre instante e eternidade.

Complicado? Mas não perceberam ainda que queremos nos complicar? Como dois corpos na cama se dobram e desdobram entre os lençóis, como um sangue que erra de veia e se perde no coração do outro. Somos românticos? Não saberíamos dizer… é romântico falar mais da vida que da morte? Mais do prazer que da dor? Não… não nos propomos a desplatonizar amores à toa… nem realistas, nem românticos, nem idealistas nem surrealistas, talvez sejamos apenas ingênuos. Não sabemos o que somos ainda, nós só queremos amar.







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