Por Deepak Ramola
O que podemos aprender com os que estão morrendo?
Enraizada no coração de muitos hindus está a crença de que, se você respirar pela última vez em Kashi (Varanasi), você alcançará o que é popularmente conhecido como o ‘Kashi Labh’ ou o ‘fruto de Kashi’ — que é moksh ou “libertação do ciclo de renascimento que é impulsionado pela lei do karma”.
Kashi Labh Mukti Bhawan em Varanasi é uma das três pousadas na cidade onde as pessoas fazem check in para morrer. As outras duas são Mumukshu Bhawan e Ganga Labh Bhawan. Fundada em 1908, Mukti Bhawan é muito conhecida dentro e fora da cidade.
Bhairav Nath Shukla é o gerente do Mukti Bhawan há 44 anos. Ele já viu ricos e pobres refugiarem-se na pousada em seus últimos dias, enquanto esperam a morte e anseiam encontrar paz. Shukla anseia com e por eles. Ele senta-se em um banco de madeira no quintal, contra um muro de tijolos, e compartilha comigo 12 lições de vida recorrentes das 12.000 mortes que ele testemunhou em sua experiência como gerente do Mukti Bhawan.
1. Resolva todos os conflitos antes partir
Shukla reconta a história de Shri Ram Sagar Mishr, um erudito de Sanskrit de seu tempo. Mishr era o mais velho de seis irmãos e tinha mais afinidade com o irmão mais novo. Anos antes, uma briga entre os dois irmãos levou à construção de uma parede para separar a casa.
Em seus últimos dias, Mishr entrou na pousada carregando sua pequena maleta de paan e pediu para ficar com o quarto nº 3 reservado para ele. Ele estava certo de que iria morrer no 16º dia de sua chegada. No 14º dia, ele disse: “peça para que meu apartado irmão de 40 anos venha me ver. Essa amargura está deixando meu coração pesado. Estou ansioso para resolver todos os conflitos”.
Uma carta foi enviada. No 16º dia, quando seu irmão mais novo chegou, Mishr segurou a mão dele e pediu para que o muro que dividia a casa fosse derrubado. Pediu para que seu irmão o perdoasse. Ambos os irmãos choraram e, no meio de uma frase, Mishr parou de falar. Sua face tornou-se calma. Em um instante, ele havia partido
Shukla tem visto essa história se repetir de muitas formas ao longo dos anos. “As pessoas carregam consigo tanta bagagem, desnecessariamente, pela vida toda e só querem largar no final da jornada. O truque não é não ter conflitos, mas resolvê-los assim que pudermos”, diz Shukla.
2. Simplicidade é a verdade da vida.
“As pessoas param de comer comida por deleite quando sabem que vão partir. Em muitas pessoas que estão em seus últimos dias nasce um entendimento de que elas deveriam ter levado uma vida simples. É disso que elas mais se arrependem”, diz Shukla.
Uma vida simples – como explica ele – pode ser alcançada gastando menos. Nós gastamos mais para acumular mais e, com isso, criamos mais necessidades. Contentar-se com pouco é o segredo para ter mais.
3. Filtrar as características negativas das pessoas
Shukla sustenta que todo mundo tem traços bons e ruins. Em vez de descartar pessoas “más” logo de cara, devemos buscar as qualidades boas delas. Alimentar antipatia por certas pessoas acontece porque nos concentramos nas qualidades negativas. Se focarmos nas qualidades boas, no entanto, podemos usar essa energia para conhecê-las melhor ou, talvez, até nutrirmos amor por elas.
4. Esteja disposto a pedir ajuda dos outros
Saber e fazer tudo por si mesmo pode dar uma sensação de empoderamento, mas isso limita a possibilidade de absorvermos o que os outros aprenderam. Shukla acredita que devemos ajudar os outros, mas – mais importante que isso – é ter coragem de pedir ajuda quando necessitamos.
Todo mundo no planeta sabe mais que a gente em algum aspecto. E o conhecimento deles pode nos ajudar, mas só se estivermos abertos para isso.
Ele contou que, em uma ocasião, uma senhora mais velha estava dando entrada na pousada em um dia chuvoso, lá nos anos de 1980. As pessoas que a levaram foram embora sem preencher os formulários. Algumas horas depois, a polícia apareceu procurando pistas dos parentes da senhora idosa, os quais – disseram eles – eram fugitivos Naxalitas*. Shukla fingiu que não sabia de nada e a polícia foi embora. Quando os parentes dela retornaram na manhã seguinte, Shukla perguntou ao líder, sem constrangimento: “Quando você consegue matar 5-8 pessoas você mesmo, porque você simplesmente não atirou na sua avó e fez a cremação você mesmo? Porque você me fez mentir e me sentir envergonhado?” O neto caiu de joelhos e implorou por perdão dizendo que ninguém entre eles seria capaz de ajudar a avó, que era profundamente religiosa, a alcançar a salvação. Ele respeitou isso, e esse foi o motivo pelo qual ele a aceitou no Mukti Bhawan.
*grupos de militantes comunistas que operam em diferentes partes da Índia
5. Veja beleza nas coisas simples
No Mukti Bhavan, são tocadas comoventes bhajans e músicas devocionais três vezes ao dia. “Algumas pessoas”, ele diz, “param e apreciam um trecho ou o som dos instrumentos como se elas nunca tivessem ouvido antes, mesmo que já tenham ouvido. Elas param para apreciar e ver a beleza que tem neles”.
Mas isso não é verdade para todos – ele acrescenta. Pessoas que são muito críticas ou muito orgulhosas são aquelas que têm dificuldade para achar alegria nas pequenas coisas, porque a mente delas está preocupada com coisas “aparentemente” mais importantes.
6. Aceitação é libertação
A maior parte das pessoas não quer aceitar o que está acontecendo com elas. Essa constante negação vai gerando nelas emoções que são altamente perigosas. Apenas quando aceitamos a nossa situação é que ficamos livres para decidir como lidar com ela. Sem aceitação, ficamos sempre em uma zona cinzenta.
Quando você não está em negação em relação a um problema seu, você acha forças para encontrar a solução.
Indiferença, fuga ou negação de determinada verdade – acredita Shukla -, causa ansiedade; as pessoas desenvolvem um medo daquela coisa dentro si mesmas. Em vez disso, aceite a situação para que você fique livre para pensar o vai fazer em relação àquilo e de que forma. Aceitação vai de libertar e te empoderar.
7. Aceitar todo mundo como iguais faz o serviço ficar mais fácil
O segredo da determinação e dedicação inabalável que Shukla tem pelo seu exigente trabalho pode ser compreendido por meio dessa lição de vida: ele admite que a vida seria difícil se ele tratasse as pessoas que dão entrada no Mukti Bhavan de forma diferente, com base na casta, no credo, na cor ou na condição econômica e social. Categorizar gera complicação e assim acabamos não servindo bem a ninguém. “O dia em que você tratar todos igualmente será o dia em que você vai respirar suavemente e ficar menos preocupado se outros ficaram ofendidos ou não. Facilita o seu trabalho”, ele diz.
8. Se/quando você encontrar seu propósito, não fique parado
Ter consciência sobre sua vocação é maravilhoso, mas somente se você fizer algo com isso.
Muitas pessoas – diz Shukla – sabem o que dá sentido para elas, mas não fazem nada para concretizar isso, para dar vida ao propósito. Só sentar e não fazer nada é pior do que nunca ter tido uma vocação. Ter uma visão sobre o seu propósito vai te ajudar a mensurar quanto de tempo e de esforço você precisa dedicar para isso, ao mesmo tempo em que você vai sendo levado por coisas que você acha que não pode abrir mão ou deixar escapar. Tome uma atitude em relação ao que realmente importa.
9. Hábitos vão se tornando valores.
Shukla recomenda que cultivemos hábitos bons para que possamos abrigar valores bons. E construir bons hábitos leva tempo e requer prática. “é como desenvolver um músculo: você tem que persistir todo dia”.
Se o indivíduo não trabalha consistentemente para se tornar mais justo ou gentil ou verdadeiro ou honesto ou compassivo, toda vez que for posto à prova, então não pode achar que tem essas qualidades.
10. Escolha o que você quer aprender
Na vastidão da quantidade infinita de conhecimentos que está disponível para nós, é fácil se perder e ficar confuso. “A lição-chave aqui é estar atento para escolher o que realmente você sente que vai ter valor para você”, disse ele. As pessoas, buscando o próprio interesse, tentam impor assuntos e filosofias em você, mas, ao mesmo tempo em que você deve estar ciente das sugestões delas, a coisa sábia a fazer é se aprofundar naquilo que alegra o seu coração e a sua mente.
Com um sorriso no rosto, Shukla diz: “Nos últimos dias de vida, muitas pessoas não podem falar, caminhar ou se comunicar com os outros com a mesma facilidade que faziam antes. Então, eles se voltam para dentro de si. E começam a lembrar das coisas que um dia fizeram o coração delas cantar. Coisas que elas quiseram aprender mais no curso de suas vidas e que hoje enriquecem os dias deles.
11. Você não corta laços com pessoas; você corta laços com os pensamentos que elas produzem
Raramente nos distanciamos de pessoas que verdadeiramente amamos ou que, de alguma forma, tenhamos nos conectado. Contudo, em qualquer relacionamento, ao longo do caminho, certas divergências de ideologias fazem com que pessoas parem de se comunicar. Isso nunca pode significar que você não está mais associado com essa pessoa. Isso simplesmente significa que você não se associa com um pensamento dominante que essa pessoa traz consigo. E, para evitar mais conflitos, você se afasta. O divórcio, Shukla afirma, é com os pensamentos; nunca com a pessoa. Entender isso é tirar um fardo de si mesmo em relação a ficar amargo e vingativo.
12. 10 porcento do que você ganha, você deve guardar para o dharma.
Dharma não é definido por Shukla como algo religioso ou espiritual. Em vez disso, ele diz que isso está associado com fazer o bem para os outros e se sentir responsável por isso. Um simples cálculo, segundo ele, é guardar 10% da sua renda para boas ações.
Muitas pessoas doam ou fazem atos de caridade quando estão caminhando para o fim de suas vidas porque a morte vai ficando pesada para eles. No sofrimento deles, eles começam a ter empatia com o sofrimento dos outros. Ele diz que aqueles que têm a companhia dos entes queridos, as bênçãos de estranhos e desconhecidos e a boa vontade geral das pessoas, esses partem pacificamente e graciosamente. Isso se torna possível quando você não se apega a tudo que você tem e quando você deixa uma parte para os outros.
*Traduzido do artigo publicado no site UPLIFT – Via Tibet House Brasil