Em fala exclusiva ao Fronteiras, o sociólogo norte-americano Richard Sennett critica as tecnologias ditas inteligentes, argumentando que elas, pelo contrário, nos distanciam cada vez mais da inteligência e da complexidade social.
Segundo o sociólogo, a web está sendo programada e utilizada com base em códigos padronizadores e uniformes, concebida para entregar um produto social cada vez mais primitivo. Cabe a nós, por fim, transformar este quadro. Leia abaixo os argumentos e ideias apresentados por Richard Sennett:
As tecnologias inteligentes e o emburrecimento social
A grande história do que está acontecendo na revolução tecnológica hoje, no que se refere às cidades, e suspeito que seja igual em outros campos, é que a tecnologia está se tornando cada vez mais primitiva socialmente.
Podemos usar a tecnologia muito bem. É necessário para lidar com o funcionamento de uma cidade. Mas, agora, estamos usando a tecnologia para dizer às pessoas o que fazer, em vez de proporcionar uma ferramenta que mostre opções.
Coisas como o Google Maps dizem às pessoas para onde ir e como chegar lá. Estamos, em outras palavras, emburrecendo a quantidade de informação à disposição das pessoas. Google Maps é uma operação de emburrecimento.
O que quero é algo que estimule as pessoas a pensarem indutivamente sobre onde estão, sobre o tipo de lugar onde estão — e que dê a elas as ferramentas para fazê-lo. Temos a tecnologia para isso, mas não é uma tecnologia que estamos usando.
Por exemplo, você está em um bairro e quer ir para outro lugar bem diferente. Simplesmente ter um mapa com o caminho mais rápido não é inteligente. Você quer saber que tipo de lugar é esse para o qual você está indo. Se você pegar um caminho, que tipo de experiência terá caminhando até lá, em vez de outra rota?
Para isso, é necessário outro tipo de informação além de apenas desenhar a menor linha entre duas coisas ou mostrar que tipo de transporte público, ou como dirigir até lá. Isso é uma redução de informação. Você não está aprendendo o ambiente.
Portanto, a tecnologia está sendo concebida para entregar um produto social cada vez mais primitivo, elas estão se tornando cada vez mais monopolistas e uniformes. Elas entregam um produto que pode ser padronizado e vendido em todo lugar.
Ao passo que, se você usar o tipo de tecnologia de que gosto, o Linux, que é um kernel de código aberto, você terá diversas formas de se relacionar com as pessoas. Se as coisas continuarem assim, em dez anos você terá na web um recurso desperdiçado. Isso será como se a complexidade regredisse, o que é terrível.
Porém, há uma coisa que vocês podem fazer. Vocês não precisam esperar alguém passar uma lei para começar a se comunicar de formas diferentes uns com os outros. O Linux está aqui e existem diversas outras ferramentas de código aberto que permitem programar de forma que não essa função padronizadora.
Minha noção de cooperação é que, quanto mais as pessoas cooperam uns com os outros, mais problemas encontram quanto mais se aprofundam nas coisas. A forma como o Google entende cooperação é que, quanto mais cooperativo se é, mais as pessoas concordam.
E, de novo, isso é uma espécie de abuso de tecnologia. Nós não enxergamos as coisas apenas como sim ou não. Ou como isso ou aquilo. As pessoas nunca pensam apenas isso ou aquilo, elas pensam tudo.
Contribuição colaborativa é diferente de inteligência coletiva. Contribuição colaborativa é quando você tem uma quantidade enorme de pessoas, especialmente na internet, contribuindo com uma opinião, e pega uma média disso.
A maioria, digamos, dois milhões de pessoas pensam X e um milhão pensa Y. Não há espaço para inteligência nisso. É apenas um concurso de popularidade. Além disso, o milhão de pessoas que pensam Y podem estar certos.
Temos a tecnologia para obter respostas mais complexas e fazer um desenho disso. Sabemos como fazer isso. Mas, novamente, a tecnologia não está sendo usada assim. É por isso que odeio pesquisas de popularidade de políticos.
Isso não é inteligência coletiva. É apenas simplificar uma questão e obter um sim ou um não. E isso é culpa, não do público, é culpa da forma como as questões são apresentadas ao público.
Como eu digo, hoje temos a tecnologia para produzir um retrato muito mais complexo, um retrato muito mais inteligente da opinião pública. Mas não a usamos.