Cultura

A história da mais bela canção de todos os tempos

“Ne me quitte pas” foi eleita várias vezes a mais bela canção de todos os tempos. Trata-se da história do próprio cantor e compositor, de quando ele foi deixado por sua noiva “Zizou”, e se sentiu humilhado. Foi gravada em 1959 por Warner Chappell, em seu álbum La Valse à mille temps. Desde então muitas versões foram gravadas, sendo as mais conhecidas a de Edith Piaf, Charles Aznavour, Nina Simone, Frank Sinatra, Júlio Iglesias e Madonna. A música também foi gravada em vários idiomas.

O que está escondido por trás da triste e, ao mesmo tempo, bela letra desta canção? Uma história dramática, sem dúvida. Jacques Brel conquistou o público com seu drama no palco, já que ele era elegante e sedutor, fazia mulheres suspirarem com este idioma tão sensual que é o francês.

Durante seu tempo como um artista em clubes, ele conheceu uma mulher chamada Suzanne Gabriello, inteligente, sensual e uma atriz cômica. Caíram de amores um pelo outro, e não hesitaram em iniciar um romance. No entanto, ao mesmo tempo, esse sentimento se traduziu em ódio, por várias razões. A “noiva” de Brel era morena e tinha uma bela risada. Ele se entregou completamente a ela durante cinco anos, mas foram cinco anos cheios de mal-entendidos, intrigas e muito mais. É um tipo moderno de amor proibido, estranho e apaixonado de Paris. A história entre Brel e Zizou é muito melodramática.

É interessante notar que ele tinha uma esposa, Thérèse Michielsen, e três filhos, que viviam em um subúrbio da capital francesa. Brel teve que inventar todos os possíveis álibis para estar com sua amante. Seu amigo Georges Pasquier o salvava e o ajudava em suas mentiras para manter seu perfil de fiel marido e pai exemplar, mesmo que o mundo da arte não fosse muito bem visto e nem respeitado naquela época.

Após dois anos de pressão por parte de Zizou, por suas infindáveis mentiras, ele fez Miche (como ele chamava a esposa intimamente) e as crianças voltarem para Bruxelas. Enquanto isso, Zizou alugava um quarto de encontros em um apartamento na Praça Clichy, para ficar com seu amante.

Logo depois que ela ficou grávida, Briel nega ser o pai e diz que não irá reconhecer a criança. Este é o começo do fim para uma história realmente patética. Louca de raiva, Zizou ameaça processá-lo em um tribunal e todos iriam saber o tipo de homem que ele é. Então ele vai para Bruxelas com a esposa legítima. Nesta época ele escreve a letra da música “Ne me quitte pas”.

Em relação à canção, essa música usa a melodia da “Rapsódia húngara número 6”, de Franz List (embora ele negue). Ele fez várias mudanças na bela canção antes dela finalmente ser gravada. A bela cantora Simone Langlois foi quem a interpretou pela primeira vez. Alguns meses mais tarde Jacques Brel a gravou, estando presente em seu quarto álbum, “Valse Le Um Mille Temps”.

Edith Piaf, uma das cantoras que também gravou “Ne me quitte pas”, disse que não estava em conformidade com a atitude de Brel, pois ela sabia de suas andanças “parisienses”. No entanto, ela não achava que fosse somente a história do cantor, mas ela acreditava ser um tipo de hino dos homens que amam e que podem ser humilhados por uma mulher. A música se traduz como uma ode à humilhação masculina e machista, embora na realidade não seja nada mais do que o purgatório e o inferno do próprio cantor.

É uma canção de desespero, que fala sobre uma trágica ruptura e o abatimento de um homem quando ele cai, o desespero, a agonia mental e a morte sentimental. Especialistas dizem que ele pegou de Dostoiévski quando disse “Deixe-me ser a sombra de seu cão” e também sugerem que há detalhes de Garcia Lorca em relação ao tesouro perdido e à imagem servil do homem.

Pode-se dizer que Brel odiava esta música, pois ela trazia muitas lembranças de sua amante Zizou. A canção era uma definição palpável do que se passava em sua mente e em seu coração. Uma espécie de catarse por seus pecados.

Jacques morreu aos 49 anos de embolia pulmonar (era um fumante penitente). Seus restos mortais descansam na Polinésia Francesa, no sul da ilha de Hiva Oa, no mesmo lugar que o seu pintor favorito, Paul Gauguin. Suzanne Grabiello morreu em 1992 de câncer, aos 60 anos, e foi enterrada em Paris. Ela sempre será lembrada por ser a “doce loucura” de um músico belga.

Letra de “Não me deixes” (traduzida para o Português)

Não me deixes,
É preciso esquecer,
Tudo se pode esquecer
Que já para trás ficou.
Esquecer o tempo
Dos mal-entendidos
E o tempo perdido
A querer saber como
Esquecer essas horas,
Que às vezes matam,
A golpes de por quê,
O coração de felicidade.
Não me deixes, (* 4)
Te oferecerei
Pérolas de chuva
Vindas de países
Onde nunca chove;
Escavarei a terra
Até depois da morte,
Para cobrir teu corpo
Com ouro, com luzes.
Criarei um país
Onde o amor será rei,
Onde o amor será lei
E você a rainha.
Não me deixes, (* 4)
Te inventarei
Palavras absurdas
Que você compreenderá;
Te falarei
Daqueles amantes
Que viram de novo
Seus corações ateados;
Te contarei
A história daquele rei,
Que morreu por não ter
Podido te conhecer.
Não me deixes, (* 4)
Nós temos muitas vezes visto
Fogo da repercussão
Do antigo vulcão
Que julgávamos velho?
Até há quem fale
De terras queimadas
A produzir mais trigo;
Que a melhor primavera
É quando a tarde cai,
Vê como o vermelho e o negro
Não se misturam
Para que o céu se inflame.
Não me deixes, (* 4)
Não vou chorar mais,
Não vou falar mais,
Escondo-me aqui
Para te ver
Dançar e sorrir,
Para te ouvir
Cantar e rir.
Deixa-me ser
A sombra da tua sombra,
A sombra da tua mão,
A sombra do teu cão.
Não me deixes (* 4)

 

Matéria originalmente publicada em A Mente é Maravilhosa

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