Quando empresas e seus relações públicas se apresentam, o discurso ético aparece. Argumentos morais, objetivadores de uma identidade, surgem em ordem crescente de valores e – no caso dos profissionais hipócritas e alienados do mercado – no juízo moral desinteressado como traço identitário maior.
A dimensão moral concerne uma pessoa responsável. Pressupõe uma relação de reciprocidade entre personalidade e responsabilidade. Porque uma determinaria outra. Assim, a pessoa é definida em função do que deve ou não fazer. Isto é, eu sou aquele que deve fazer isso ou aquilo. Eu sou aquele que, em hipótese alguma, virá a agir de certa forma.
Afinal, quando somos convidados a dizer quem somos, acabamos indicando as coisas que nos alegram e as que nos entristecem. Em suma, oferecemos a nossos interlocutores o valor que atribuímos às coisas do mundo em função da forma como essas coisas nos afetam. Assim, a alegria determinada pelo encontro com certa paisagem, obra literária ou comida acaba permitindo uma definição de si. Mas, além dessas coisas que nos afetam, o mundo das ações humanas também não nos deixa indiferente. Por isso, também lhes atribuímos valores morais.
O fundamento do ser, como defendia Montaigne e Marcel Conche, é puramente moral. Mesmo sabendo que não somos a mesma pessoa no passar dos dias, das semanas e dos anos, e admitindo que muitas vezes mudamos de opinião e nos arrependemos, continuamos a defender uma identidade que, no passado de um sujeito que não mais existe, se presentifica em um outro sobre a denominação ilusória de “Eu”. Identidade que resgata um passado já vivido, destruído e reconstruído.
Conclui-se: sou ente porque me sinto responsável pelo que fiz. E só posso ser responsável porque acreditamos que continuo sendo quem sou. A ilusão tem de ser compartilhada. Por isso, o discurso moral é um discurso identitário de pertencimento. Pertencimento a um grupo de agentes morais. A um universo de pessoas que, por sua vez, se singularizam em face de outros universos. Para ir além nessa reflexão, devemos aprofundar essa relação entre moral e identidade. É o que segue.
Em uma cultura patriarcal como a nossa, bom é ser homem. Homem e forte. Vir é homem. Virtus, a força do homem. Daí a virtude. Mas essa força, na concepção filosófica de virtude, carece de precisão. O tal homem forte é o que vive em sociedade. Age em sociedade. Nela interage e, para tanto, delibera. Essa sociedade é a família; é também a fratria, agrupamento de famílias. Mas, sobretudo, a cidade, a polis. A discussão sobre a vida boa, contemporânea da própria Filosofia, corresponde a como ser virtuoso na cidade. Porque esta última sucede a família como centro gerador de eticidade.
Agora não é mais o canto do pai da família e sim a cidade que define o que é bom e o que é mau. Note-se que esses deslocamentos não são nunca absolutos. A família segue sendo instância de produção moral até hoje. Perdeu, naquele momento grego, o monopólio e a primazia dessa produção. Em eventual conflito entre a ética da família e a ética da cidade, passa a prevalecer nesse momento esta última. O que a sociedade diz sobre nós é mais legítimo do que nossos parentes comunicam. Louca inversão.
Para agradar gregos e troianos construímos um discurso favorável sobre nós mesmos para os outros. Quando possível, nos fazemos parecer desinteressados. Pessoas e empresas que trabalham pelo bem da sociedade. Para a felicidade dos homens. Desprovidos de interesses e desejos egoístas. Afinal, quem gostaria de fazer grupo com um egocêntrico? Quem confiaria sua vida e recursos para alguém que se relaciona para auferir vantagens e cobrar favores?
O discurso do desinteresse, da moral higienizada de desejos, é uma perversão. Os homens, como ensinavam Epicuro, Hobbes e Espinosa, são movidos por conatus. Por desejos e emoções imperativas alheias à razão. Tudo o que fazemos é interessado. Nem o mais louco, ou o mais sábio, escapa. Temos interesse sim. A todo momento. A todo instante. Só não vê quem não quer. Como a garota que reclama do ex-amigo que foi seu ombro amigo por meses, escutou barbaridades do antigo namorado, ficou horas no telefone apoiando na triste separação, e depois de seis meses a beijou no cinema. Dizer que amigos não devem desejar ou ter interesses é uma atitude mais condenável do que se aproveitar de um laço de amizade para tocar a boca amada.
Minha experiência mostra que toda pessoa ou empresa que comunica uma posição de desinteresse esconde atitudes reprováveis. Tem culpa em cartório. E muita. Nada mais justo, ao nos definirmos em um dado momento, comunicar nossos interesses. Se desejamos a confiança de alguém, precisamos deixar claro exatamente aquilo que queremos dele. Partir do pressuposto de que, quando duas pessoas estão juntas, se relacionando, ambas são plenamente interessadas no outro. Para além da simbologia ascética, da camaradagem e do discurso do desinteresse.
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