Costumamos pensar na esperança sempre como uma coisa boa. “A esperança é a última que morre”, diz o ditado popular. Mas, afinal, é mesmo bom ter esperança?

A vontade de escrever esse texto aumentou recentemente, quando passei a associar a palavra esperança, usada por diversos filósofos, com a palavra expectativa, usada por todos nós cotidianamente. Até porque, o próprio Google define expectativa como “situação de quem espera a ocorrência de algo, ou sua probabilidade de ocorrência, em determinado momento”. A principal fonte de inspiração para o texto foi minha própria vida e as expectativas alimentadas ou não por mim – e os resultados disso. A fonte consultada primariamente foi o livro A felicidade, desesperadamente, do filósofo francês, André Comte-Sponville.

Uma das primeiras frases do livro já é digna de alguns minutos de reflexão: “Mais vale uma verdadeira tristeza do que uma falsa alegria”, ou seja, mais vale um resultado, ainda que não tão satisfatório, do que a idealização, a imaginação, de um resultado positivo. Isso até me lembrou da famosa frase da música de Belchior: “viver é melhor que sonhar”.

Quem conhece um pouco da filosofia de Sponville, já leu alguma coisa dele, sabe que ele é fortemente influenciado pelas ideias do filósofo holandês, Baruch Spinoza. Esse, por sua vez, diferenciou as coisas que passam pela nossa cabeça, as coisas que são imaginárias, das coisas que acontecem no mundo, na realidade, na vida. Então, segundo ele, as coisas que acontecem no mundo podem gerar dois afetos opostos: alegria ou tristeza.

Não há espaço aqui para discorrer longamente sobre a filosofia dos afetos de Spinoza mas, de forma muito resumida, ele dizia que temos dentro de nós uma energia, que ele chamava de potência de agir. Há coisas no mundo real que aumentam nossa potência de agir, o que ele chamou de alegria. O contrário disso é a tristeza, ou seja, quando o mundo reduz nossa potência de agir. Spinoza dizia que quando algo ou alguém é a causa da nossa alegria, nós amamos esse algo ou alguém. O amor de Spinoza é o amor da potência, da presença, do mundo real que nos alegra.

Já no caso da imaginação, daquilo que nós fantasiamos, desejamos, pensamos, temos duas situações: a possibilidade de aquilo acontecer da forma que desejamos ou não. A imaginação de algo bom pode nos alegrar também, gerar aumento de potência, mas o problema é que essa vem sempre, invariavelmente, acompanhada do temor, ou seja, do medo que aquilo que fantasiamos não aconteça conforme esperamos.

Assim, quando, em nossa cabeça, queremos algo, temos ESPERANÇA de que algo aconteça, junto com isso temos o TEMOR, o medo de que isso não aconteça. Por exemplo, se estou com uma suspeita de uma doença grave e vou fazer um exame para comprovar isso, eu espero que o resultado mostre que não estou doente (tenho esperança disso), mas, ao mesmo tempo, eu temo profundamente que o resultado seja positivo para a doença (tenho medo).

“A esperança e o temor não são dois contrários, mas antes as duas faces da mesma moeda: nunca temos uma sem a outra. O contrário de esperar não é temer; o contrário de esperar é saber, poder e gozar” (Sponville).

Sponville cita três características da esperança (ou expectativa). A primeira é: “esperar é desejar sem gozar”. Isso significa que nós só esperamos o que ainda não temos, o que desejamos ter – senão, não seria necessário esperar. Então, por exemplo, eu espero poder comprar um iPhone novo no Natal. Se eu espero poder comprar é porque ainda não tenho o telefone, não posso gozar, ter o prazer de usar o desejado telefone. A esperança é sempre sem gozo.

A segunda é: “esperar é desejar sem saber”. Ora, nós só podemos ter esperanças de coisas que não sabemos se vai acontecer. Ninguém diz: “tenho esperança de que o sol nasça amanhã”, porque, bem, todos sabemos que o sol nascerá amanhã. Nós só temos esperança daquilo que não temos certeza de que vai acontecer. A esperança é sempre na ignorância.

Sponville ainda destaca que nem sempre a esperança diz respeito a algo futuro, podendo até se referir a coisas que já aconteceram. Por exemplo, eu posso fazer uma entrevista de emprego e sair de lá com a esperança de ter ido bem. Minha esperança diz respeito a algo que já aconteceu, mas fica claro que eu só tenho esperança enquanto não sei do resultado – a esperança ocorre na ignorância. Se eu receber um resultado negativo para minha entrevista, saberei que não fui bem – e não tenho mais esperança de ter ido bem, ou medo de ter ido mal. O conhecimento, ou a ausência de ignorância, é quem mata a esperança aqui.

Por fim, a última característica é: “esperar é desejar sem poder”. Isso significa que nós só esperamos que aconteçam coisas sobre as quais não temos poder de fazer acontecer. O que podemos fazer acontecer, não esperamos – apenas, fazemos. Por exemplo, não há sentido dizer: “tenho esperança de levantar-me da cama amanhã cedo”, a não ser que eu tenha algum tipo de problema ou dificuldade de locomoção. Quando eu desejo algo e posso fazer acontecer, eu simplesmente faço – não tenho esperança. Então, a esperança é sempre na impotência.

Esperança é, portanto, sem gozo, na ignorância e na impotência. Além disso, ela é invariavelmente acompanhada do medo. Quanto mais esperamos que algo aconteça, mais tememos que não aconteça.

Desesperadamente

Assim, a proposta desse livro é “a felicidade, desesperadamente”. Acho genial o uso da palavra “desesperadamente”, levando-nos a associar com o desespero (no mau sentido), porque não deixa de ser, de certa maneira. Sponville nos lembra que viver com menos esperança, ou seja, esperando um pouco menos e gozando mais, sabendo mais e podendo mais, optando por apreciar o momento presente, gostar do que se tem e do que se quer e se faz, é um pouco incômodo e perturbador, a princípio.

“O que sabemos é que a felicidade é desesperadora”, diz ele. Esse tema do medo e do incômodo gerado pela felicidade, que leva a tantos casos de auto-boicote foi amplamente discutido por inúmeros autores. Ele mesmo cita Freud, que disse que “não há nada mais difícil a suportar do que uma sucessão ininterrupta de três lindos dias”, especialmente, diz Sponville, para os que só sabem viver de esperança: “três lindos dias que se seguem é difícil, porque não deixam mais grande coisa a esperar”.

“A palavra desespero, em sua dureza, em sua luz escura, exprime a dificuldade do caminho. Ela supõe um trabalho, no sentido em que Freud fala de trabalho de luto, e no fundo é o mesmo trabalho. A esperança é primeira; portanto é necessário perdê-la, o que é quase sempre doloroso. Eu gosto, na palavra desespero, que se ouça um pouco essa dor, esse trabalho, essa dificuldade. Um esforço, dizia Spinoza, para nos tornar menos dependentes da esperança”.

A conclusão é de que precisamos, então, aprender a desejar o que depende de nós (isto é, aprender a querer e a agir), aprender a desejar o que é (ou seja, a amar a vida real), em vez de desejar sempre o que não é. É claro que é impossível amputarmos de vez a esperança de nós e nem é essa a proposta de Sponville. A ideia é aprendermos a pensar melhor e a “querer um pouco mais e amar um pouco melhor”.

“Não se trata de impedir de esperar, nem de esperar o desespero. Trata-se, na ordem teórica, de crer um pouco menos e de conhecer um pouco mais; na ordem prática, política ou ética, trata-se de esperar um pouco menos e de agir um pouco mais; enfim, na ordem afetiva ou espiritual, trata-se de esperar um pouco menos e amar um pouco mais”, finaliza Sponville.

Para escrever esse texto, reli o livro de Sponville e, confesso, quase desisti de escrever. Deu vontade de escrever apenas: leiam o livro A felicidade, desesperadamente. Trata-se de um livro curto, de uma transcrição de uma palestra que ele deu, com pouco mais de 50 páginas, mas vale cada palavra lida. Cada parágrafo nos leva a refletir longamente. Então, finalizo meu texto recomendando fortemente a leitura do livro, a quem interesse esse tema.







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