Filosofia

Amar não é aceitar tudo – por Mario Sergio Cortella

“Uma das coisas que mais fiz como educador de meus filhos foi tirar o encanto da droga ilegal, para impedir ou dificultar que tivessem acesso a esse tipo de prazer – porque é óbvio que é prazeroso, senão ninguém iria atrás dele. Não é bom fazer uso dessas substâncias, não é encantador. Uma pessoa que usa droga é fraca, pois não detém força suficiente para se defender daquilo. Eu não sou forte quando me comporto como a manada.

Sou forte quando consigo ter uma conduta consciente, em que faço o que faço porque decido o que fazer. Não porque as outras pessoas também o estão fazendo. Esse comportamento mimético(que imita), simiesco (parecido com macacos), em relação a algumas práticas é sinal de fraqueza e de pusilanimidade (fraqueza de ânimo).

Aceita-se hoje, com a maior facilidade, o que chamo de ética da conveniência. “Bom é tudo aquilo que me favorece. O que não me favorece considero ruim”. Em vez de termos valores de conveniência que sejam sólidos, menos superficiais, portanto, menos cínicos, há uma hipocrisia que leva a esquecer que ética não é cosmética. Não é efeito de fachada.

Nessa hora, costumo lembrar um alerta valioso feito pelo Corpo de Bombeiros: nenhum incêndio começa grande, e sim com uma faísca, uma fagulha, um disparo. Isso se aplica ao campo da ética. O apodrecimento dos valores éticos positivos se inicia também com pequenos delitos, infrações, aceitações, conivências.

A expressão ‘o amor aceita tudo’ é absolutamente antiética e antipedagógica. A pessoa que seja capaz de amar é aquela que recusa aquilo que faz mal, por isso um pai e uma mãe não pode jamais dizer ao filho ‘é porque eu te amo, então tudo aceito’. É exatamente o inverso: porque eu te amo é que eu não quero que você use drogas ilegais; é porque eu te amo que eu quero que você seja decente; é porque te amo que eu não quero que você banalize a sua sexualidade livre e bonita; é porque eu te amo que eu quero que você tenha esforço na sua produção e é porque você me ama que eu quero que você, meu filho, minha filha, me adverte, também me apoia, também me corrija naquilo que eu estiver equivocado. Essa relação de cuidado mútuo, só nos faz crescer. Por isso esse exemplo do cotidiano tem que aparecer como sendo a recusa com qualquer situação. A ética do amor não é a ética da conveniência em que as coisas valem a partir de qualquer momento, mas uma ética que é capaz, também de dizer ’não’ ao que tem que ser recusado.”

Texto extraído do livro Educação, convivência e ética: audácia e esperança, Cortez Editora, 2015, páginas 76/77.

Pensar Contemporâneo

Um espaço destinado a registrar e difundir o pensar dos nossos dias.

Share
Published by
Pensar Contemporâneo

Recent Posts

Podemos nos afastar de quem nos fere? Veja resposta sensacional da Monja Coen

Monja Coen, uma budista zen brasileira, é a Primaz Fundadora da Comunidade Zen Budista no…

15 horas ago

Lei do Retorno: Muitas coisas na vida não tem preço, mas todas tem troco!

A ideia de que nossas ações carregam consequências é uma das crenças mais antigas da…

15 horas ago

Pesquisa revela que só existe uma coisa que produz mais felicidade em nós do que o casamento – e resposta é surpreendente

Uma pesquisa realizada pela Booking.com, com 17 mil pessoas de diferentes países, revelou um dado…

3 dias ago

4 filmes obrigatórios na Netflix para quem ama conhecer a alma humana

Se há algo que o cinema faz bem é nos transportar para as profundezas da…

3 dias ago

Mãe entra na Justiça para deixar de sustentar filha de 22 anos que não estuda nem trabalha – decisão do juiz surpreende

Em Viedma, Argentina, uma mãe decidiu acionar a Justiça para interromper o pagamento de pensão…

4 dias ago

No streaming: Johnny Depp entrega atuação brilhante em filmaço épico e tenso até o último minuto – veja trailer

Aliança do Crime, um thriller de tirar o fôlego na HBO Max, traz Johnny Depp…

4 dias ago