Telas como Abaporu, A Cuca e A Feira, da pintora modernista brasileira Tarsila do Amaral (1886-1973), ganham vida na história de Tarsilinha (Brasil, 2021, 90 min), animação de Célia Catunda e Kiko Mistrorigo – formados, respectivamente, pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) e pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP. A trilha sonora é de Zezinho Mutarelli e Zeca Baleiro, que ainda interpreta, ao lado de Ná Ozetti, a canção-tema, especialmente composta para o longa. Produzido pela Pinguim Content (de O Show da Luna e Peixonauta), produtora fundada pelos diretores, o filme foi finalizado em março de 2020, mas por causa da pandemia de covid-19 teve sua estreia adiada, que agora está prevista para o dia 17 de março.
No enredo, uma menina de 8 anos enfrenta muitos desafios para tentar recuperar as lembranças que foram roubadas de sua mãe, e enquanto passa pelas paisagens criadas pela artista, contracena com os personagens dos quadros e dos desenhos que também ganham vida, como o Saci (na voz de Skowa), com o qual Tarsilinha (Alice Barion) faz amizade, assim como o Sapo (Ando Camargo), que gosta de inventar palavras – parafraseando o escritor modernista Oswald de Andrade –, e a Lagarta (Marisa Orth), a vilã da trama que mora num lugar isolado, dentro do Abaporu, que no filme é uma grande montanha no meio do Vale do Sem Fim. Há ainda o Pássaro (Marcelo Tas), que vende o bilhete de trem para Tarsilinha, e a Cuca (Cristina Mutarelli), da qual a protagonista foge por conta do medo.
O filme surgiu entre 2007 e 2008 com a ideia aproximar o público infantil do legado da Tarsila do Amaral, como conta o diretor Kiko Mistrorigo. A sobrinha-neta da artista, que tem o mesmo nome em sua homenagem, procurou a produtora Pinguim Content com o objetivo de incentivar as crianças, desde a pré-escola, a conhecer o trabalho de uma grande artista. Segundo ele, o projeto foi ganhando corpo, e de audiovisual passou para um longa-metragem, que faz um mergulho no universo de Tarsila do Amaral e também no Modernismo brasileiro.
“Não queríamos fazer uma biografia da artista, e por isso partimos de suas obras”, relata Célia Catunda, irmã da artista Leda Catunda. Para além da animação das obras de Tarsila do Amaral, o longa constrói um universo através do recorte das obras da artista das fases Pau Brasil e Antropofagia – em que ela inovou nas cores e formas. Os quadros ganham a linguagem tridimensional, a mesma das obras que parecem sair das telas, e servem de cenário para essa grande aventura de Tarsilinha por um mundo mágico, recheado de personagens criados também pela artista. As cenas da cidade e de paisagens do interior paulista, como da zona rural que Tarsila do Amaral tanto conhecia, já que viveu em uma fazenda, fazem com que “o público tenha a sensação de estar mesmo naquele lugar”, destaca Célia.
Outro conceito do roteiro foi o de trabalhar o Modernismo, mas não de forma didática. Assim, o longa ganhou como fio condutor a questão da memória e das influências externas que se vai colecionando e guardando na memória, como aponta a diretora. Além disso, diz Célia, apresenta outros contextos, como é o caso da obra Abaporu (quadro emblemático da fase antropofágica de Tarsila do Amaral), que no filme tem seu mistério mantido, ao mesmo tempo em que levanta a questão da deglutição.
“Dentro do Abaporu/ Incrível, lindo, surreal, tão mágico/ Tarsilinha não tem medo/ Lhe sobra coragem, lógico/ A Cuca quer pegar/ O trem já vai partir.” Esse é um trecho da canção-tema do filme. “A própria canção-tema fala da travessia da personagem por um mundo desconhecido, algo como uma realidade paralela, cheia de perigos e ameaças”, comenta Zeca Baleiro no post da animação no Youtube. “Como em toda fábula, essa viagem é uma história de descoberta e autoconhecimento”, escreve, explicando que “a música é um baião bem brasileiro com uma pequena alusão à obra de Villa-Lobos.”
Segundo Kiko Mistrorigo, que ficou responsável pela trilha sonora, o objetivo é destacar a brasilidade presente no longa. “Estávamos em busca de uma trilha que tivesse não uma brasilidade chavão, como o samba e a bossa nova, e sim uma brasilidade autêntica, mais sutil e sofisticada, que mostrasse um Brasil de fato. Uma brasilidade mais forte”, explica, e acrescenta que foi por esse motivo que Zezinho Mutarelli convidou Zeca Baleiro para fazer parte da trilha. “Zeca Baleiro tem isso na música dele, trazendo influências do Maranhão, sua terra natal, do xaxado e do baião”, informa Mistrorigo. “Foi também por isso que encomendamos a música da personagem para Zeca Baleiro, na qual ele resume as características da personagem, como a sua ‘coragem sem fim’ de enfrentar os problemas.” Além disso, há uma citação de Trenzinho Caipira, de Villa-Lobos, que, como diz o diretor, foi proposital. “Isso acontece sempre no filme. O tempo todo estamos pontuando fundamentos do movimento modernista, ao retratar a questão da busca da memória e da identidade nacional”, reitera.
Tarsilinha não é um filme só para o público infantil, como destacam ambos os diretores, e sim um filme para a família. “As crianças vão curtir a história e os personagens divertidos, e os adultos vão encontrar uma outra linha de leitura, que traz todo esse contexto do Modernismo”, diz Célia. “É uma animação que constrói um mundo mágico, em que todos vão poder passear pelo universo modernista da Tarsila do Amaral.”
Tarsilinha (Brasil, 2021, 90 minutos), animação de Célia Catunda e Kiko Mistrorigo, estreia no dia 17 de março nos cinemas. Para mais informações acesse o site do filme.
Assista no link abaixo ao trailer do filme Tarsilinha.
Fonte: Jornal da USP
Publicado por Cláudia Costa