Literatura

Brasil redescobre a poesia de Sophia de Mello Breyner Andresen

Por Renata de Alcântara Stuani

Escritora é famosa por livros infantis e pelo combate ao fascismo

Sophia, simplesmente Sophia. Em Portugal, ela é conhecida apenas pelo primeiro nome e até as crianças do ensino básico sabem de quem se trata. Consagrada em seu país, a escritora  e poetisa Sophia de Mello Breyner Andresen (Porto, 1919-Lisboa, 2004) é autora de livros infantis considerados clássicos, como “A Fada Oriana”.  Seus poemas, traduzidos em muitas línguas, falam especialmente da natureza e do mar e tiveram reconhecimento tanto da crítica como do público.

Em 1999, ela se tornou a primeira mulher portuguesa a conquistar o Prêmio Camões, o mais prestigiado da língua portuguesa. Aristocrata de grande beleza física, mãe de 5 filhos, autora de contos e ensaios, Sophia desde o início mostrou seu caráter forte e independente em relação ao posicionamento político. Ela se opôs ao regime do ditador Antônio Salazar e descreveu lindamente o clima no momento da Revolução dos Cravos de 1974, quando os portugueses puseram fim ao regime salazarista, depondo o então presidente Marcelo Caetano. “Esta é a madrugada que eu esperava/O dia inicial, inteiro e limpo/Onde emergimos da noite e do silêncio/E livres habitamos a substância do tempo”, escreveu ela, exatamente no dia da Revolução, 25 de Abril.

No Brasil, porém, Sophia tem sido praticamente desconhecida, exceto nos meios literários. Pouca gente sabe que ela é mãe do escritor e jornalista Miguel Sousa Tavares , autor do romance “Equador” e muitos outros livros. Articulista do jornal Expresso, Miguel é comentarista de diversos assuntos no jornal das 8 da TV SIC e uma autêntica celebridade em seu país.

Em 2014, as televisões e toda a Imprensa portuguesa mostraram o traslado do corpo de Sophia do Cemitério de Carnide para o Panteão Nacional, em Lisboa. Ela se tornou a segunda mulher a conseguir a honraria, depois da fadista Amália Rodrigues, e repousa agora ao lado de figuras históricas, como o navegante Vasco da Gama.

Tanto prestígio parecia não ser suficiente para a (re) descoberta de Sophia por parte dos editores brasileiros, que nos últimos anos vinham mostrando uma injustificável má vontade em relação aos autores contemporâneos portugueses. Isso começou a mudar com o lançamento no Brasil, pela Cosac Naify,  do clássico infantil  “A Menina do Mar”.  Lançado em 1958 e escrito para os filhos de Sophia,  o livro chegou aos brasileirinhos somente em 2014. Agora, já está à venda a coletânea “Coral e Outros Poemas”, da Companhia das Letras, um apanhado do desenvolvimento artístico da autora, com escritos que vão de 1944 até os póstumos. A seleção ficou a cargo de outro importante poeta, o carioca Eucanaã Ferraz.

Outros lançamentos estão prometidos, incluindo a antologia completa de Sophia pela Tinta da China, editora de origem portuguesa que chegou ao Brasil  em 2012 atrás de novos mercados, depois da eclosão da mais recente crise econômica lusitana.

Nascida no Porto em uma família de origem nobre, Sophia foi desde sempre uma menina ligada ao mar, um tema sempre presente no imaginário português. “Quando eu morrer, voltarei para buscar os instantes que não vivi junto do mar”, escreveu, nos anos 60. O filho Miguel Sousa Tavares disse, na cerimônia no Panteão,  que a poesia de Sophia continua “deslumbrantemente atual”.  Seus versos sobre a natureza tem a simplicidade e a qualidade estética e atemporal que agrada tanto os leitores menos eruditos como os críticos literários. No Brasil, a edição de seus trabalhos, ainda que tardia, pode vir a estimular a publicação de novos títulos da notável literatura portuguesa da segunda metade do século 20. Para o bem dos leitores deste lado do Atlântico, esperemos que assim seja.

 

Por Renata de Alcântara Stuani

(jornalista, viveu em Lisboa entre 2011 e 2015 e atualmente mora em São Paulo)
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