Vivemos tempos em que tudo, como diria o saudoso filósofo Zygmunt Bauman, é liquido, feito para não durar. Seguindo nesta linha e raciocínio, vamos tendo cada vez menos paciência com o desenrolar dos fatos. Citando outro pensamento, “tudo que é sólido se desmancha no ar”, gerando nosso esgotamento com aquilo que nós contraria ou traz preocupações e desconforto, para no fim das contas botarmos de lado nosso descontentamento em relação a isso. Vamos assim tecendo o ápice de nos alienarmos em si, preferindo algo completamente avesso ao que se esta posto na atualidade, nos focando no conformismo de sobreviver e não nos aborrecer.
Isto acaba valendo nas lições que podemos tirar ao ler duas magnificas obras do genial escritor português José Saramago: “Ensaio sobre a Lucidez” e “Ensaio Sobre A Cegueira”. Na primeira obra, Saramago faz um retrato fidedigno de uma nação e sua população, já cansada de um viciado sistema politico vigente, resolve votar em unanimidade nulo nas eleições, causando uma crise politica sem precedentes no país, levando os políticos a medidas extremas que por fim levam a torturar e perseguir o próprio povo com o intuito de encerrar a lucidez política que acometeu os cidadãos. No segundo livro, o autor luso traça um panorama do mesmo país assolado por uma epidemia de cegueira, em que as pessoas tomam as mais obscuras atitudes, sendo levadas a um estado de selvageria total. Pela necessidade de sobrevivência, os mais conflitos éticos e morais afloram, em que as definições de certo e errado, bom e mau, entram em uma linha tênue e extremamente perigosa.
Qual a ligação entre a lucidez e a cegueira de Saramago, e o que elas têm a nos dizer de nosso momento politico atual? A resposta para isso está na relação de que cegueira e lucidez podem ser a origem uma da outra, botando abaixo determinado sistema de coesão social. Contudo, esta mudança pode acabar num aprofundamento da crise, numa radicalização de discursos e atitudes violentas. O desgosto com o modo de se fazer politica atual de nossa classe politica mundial está mais do que claro ao levarmos em conta o resultado das ultimas eleições planeta terra afora. Com o sistema politico esgotado, botando em xeque as normativas presentes na democracia representativa, a população global parece ter tido uma centelha de claridade, ou melhor, “Lucidez”, de como é o modus operandi em que se deleita os seus representantes eleitos através do voto. “Enxergaram” a verdade perante sua visão: a política está com o prisma invertido, ao invés de servir para o beneficio público geral, atende somente aos interesses privados de poucos.
No entanto, essa pretensa tomada de consciência pode levar a caminhos nebulosos e nada benfazejos ao jeito de se fazer política. Na ânsia da mudança, vamos retrocedendo a um estado em que declaramos guerra total a tudo o que nos é diferente ou contraria nossa opinião. Entramos em rota de colisão com tudo aquilo que nos é estranho em nome de uma suposta moralidade. Podemos transformar, por exemplo, num discurso de trazer o novo na política para fazer uma limpeza contra a corrupção, e não percebermos que dentro da mesma é adotado um discurso a favor de outras higienes: social, étnica, racial, de gênero, ideológicas, e outros tantos disparates que vemos florescer no contexto recente. No meio do turbilhão da crise, as velhas soluções que não deram certo são simplesmente maquiadas com jargões antigos que adotam novas formas linguísticas e outros aparatos de comunicações.
Na década de 30 os Nazistas usaram e abusaram do rádio na Alemanha, onde mesmo com uma população extremamente alfabetizada e considerada com avançado nível intelectual por muitos, emocionou o povo com discursos carregados de sentimentalismo, levando uma nação a aceitar a guerra como algo necessário para a sua sobrevivência. Hoje, é incrível como pode gerar um impacto colossal um meme extremamente tosco postado em uma rede social, espalhando pós-verdades, blasfêmias e outras inverdades efêmeras por sua timeline. Ai está o impagável paradoxo de nossa época, a mistura do excesso de Lucidez e Cegueira gera uma terceira epidemia: a da Imbecilidade.
É evidente que nosso presente sistema social, politico e econômico está chegado a seu desfalecimento. Vivemos o crepúsculo de uma espécie de sociedade humana que está em declínio e não se sustenta mais. Globalizamos nosso comportamento e estilo de vida calcado no consumo, numa cultura que glorifica o esbanjamento. Não conseguindo mais suportar a si mesmo e o outro, naturalmente vamos tentar outros meios de vida e modelos a se adotar para conseguirmos viver de modo mais eficiente. Porém nos apegamos a velhas manias e ações que lá no passado (como o extremismo politico dos fascistas no século XX ou o religioso da inquisição no século XVI) acarretaram malefícios à humanidade, sendo inconcebível que ainda nos agarremos a certos maniqueísmos de pensamento e de comportamento. A lição da História não é o que fazer, É O QUE NÃO FAZER.
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