Sociologia e Política

“Cuidado com políticos que fazem dos nossos sentimentos um instrumento de poder”, por Zygmunt Bauman

“Os vínculos se despedaçam, o espírito de solidariedade enfraquece, a separação e o isolamento tomam o lugar do diálogo e da cooperação”, afirma o sociólogo polonês Zygmunt Bauman.

A reportagem é de Giulio Azzolini, publicada no jornal La Repubblica, 05-08-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis a entrevista:

Professor Bauman, passaram-se 10 anos desde que o senhor escreveu “Medo líquido” (Ed. Laterza). O que mudou desde então?

O medo ainda é o sentimento predominante do nosso tempo. Mas, acima de tudo, é preciso que nos entendamos sobre que tipo de medo se trata. Muito semelhante à ansiedade, a uma incessante e generalizada sensação de alerta, é um medo multiforme, exagerado na sua imprecisão. É um medo difícil de se captar e, por isso, difícil de combater, que pode arranhar até os momentos mais insignificantes da vida cotidiana e afeta quase todas as camadas da convivência.

Para o filósofo e psicanalista argentino Miguel Benasayag, a nossa época é a das “paixões tristes.” O que acontece quando o medo abraça a desconfiança?

Acontece que os laços humanos se despedaçam, que o espírito de solidariedade enfraquece, que a separação e o isolamento tomam o lugar do diálogo e da cooperação. Da família à vizinhança, do local de trabalho à cidade, não há ambiente que permaneça hospitaleiro. Instaura-se uma atmosfera sombria, em que cada um alimenta suspeitas sobre quem está ao seu lado e é, por sua vez, vítima das suspeitas alheias. Nesse clima de desconfiança exagerada, basta pouco para que o outro seja percebido como um potencial inimigo: será considerado culpado até que se prove o contrário.

Contudo, a Europa já conheceu e derrotou a hostilidade e o terror: o político das Brigadas Vermelhas na Itália e da RAF na Alemanha, o étnico-nacionalista do ETA na Espanha e do IRA na Irlanda. O nosso passado ainda pode nos ensinar algo, ou o perigo de hoje é incomparável?

Os precedentes certamente existem. No entanto, poucos mas decisivos aspectos tornam as atuais formas de terrorismo muito diferentes dos casos que você lembrava. Estes últimos se aproximavam a uma revolução (visando, como as Brigadas Vermelhas ou a RAF, a uma subversão do regime político) ou a uma guerra civil (apontando, como o ETA ou o IRA, à autonomia étnica ou à libertação nacional), mas sempre se tratava de fenômenos essencialmente domésticos. Pois bem, os atos terroristas atuais não pertencem a nenhuma dessas duas situações: a sua matriz, de fato, é completamente diferente.

Qual é a peculiaridade do terrorismo atual?

A sua força deriva da capacidade de corresponder às novas tendências da sociedade contemporânea: a globalização, por um lado, e a individualização, por outro. Por um lado, as estruturas que promovem o terrorismo se globalizam muito além das capacidades de controle dos Estados territoriais. Por outro lado, o comércio de armas e o princípio de emulação alimentado pela mídia global fazem com que quem empreenda ações de natureza terrorista sejam indivíduos isolados, movidos talvez por vinganças pessoais ou desesperados por um destino infeliz. A situação que brota da combinação desses dois fatores torna quase totalmente invencível a guerra contra o terrorismo. E é bastante improvável que ele abdique de dinâmicas já autopropulsivas. Em suma, repropõe-se, sob novas formas, o mítico problema do nó górdio, que ninguém sabe desfazer: e são muitos os chamados herdeiros de Alexandre Magno, que, enganando, juram que as suas espadas conseguiriam cortá-lo.

Para muitos políticos e muitos comentaristas, as raízes do terrorismo devem ser buscadas no aumento descontrolado dos fluxos migratórios. Quais são, na sua opinião, as principais razões da violência contemporânea?

Como é evidente, os ganhos eleitorais que são obtidos estabelecendo um nexo de causa-efeito entre imigração e terrorismo são muito alentadores para que os concorrentes no jogo de poder renunciem a eles. Para quem decide, é fácil e conveniente participar de um leilão sobre o meio mais eficaz para abolir a chaga da precariedade existencial, propondo soluções falsas, como fortificar as fronteiras, parar as ondas migratórias, ser inflexível com os requerentes de asilo… E, para a mídia, é igualmente fácil dar visibilidade à polícia que invade os campos de refugiados ou difundir as imagens fixas e detalhadas de um ou dois homens-bomba em ação. A verdade é que é malditamente complicado tocar com a mão as raízes autênticas de uma violência que cresce em todo o mundo, em volume e em intensidade. E, dia após dia, torna-se ainda mais difícil, senão precisamente impossível, demonstrar que os governos identificaram aquelas raízes e estão trabalhando realmente para erradicá-las.

Isso significa que os políticos ocidentais também utilizam o medo como instrumento política?

Exatamente. Assim como as leis do marketing impõem que os comerciantes proclamem incessantemente que o seu objetivo é a satisfação das necessidades dos consumidores – embora estando eles plenamente conscientes de que, ao contrário, a insatisfação é o verdadeiro motor da economia consumista –, assim também os empresários políticos dos nossos dias declaram, sim, que o seu objetivo é garantir a segurança da população, mas, ao mesmo tempo, fazer todo o possível, e até mais, para fomentar a sensação de perigo iminente. O núcleo da atual estratégia de dominação, portanto, consiste em acender e em manter viva a centelha de insegurança…

E qual seria o propósito dessa estratégia?

Se há algo que muitos líderes políticos não viam a hora de aprender, é o estratagema de transformar as calamidades em vantagens: reacender a chama da guerra é uma receita infalível para desviar a atenção dos problemas sociais, como a desigualdade, a injustiça, a degradação e a exclusão, e fortalecer o paco de comando-obediência entre os governantes e a sua nação. A nova estratégia de dominação, fundamentada no deliberado impulso à ansiedade, permite que as autoridades estabelecidas não cumpram a promessa de garantir coletivamente a segurança existencial. Deveremos nos contentar com uma segurança privada, pessoal, física.

O senhor acredita que, desse modo, as instituições correm o risco de perder o caráter democrático?

Certamente, a constante sensação de alerta afeta a ideia de cidadania, além das tarefas a ela ligadas, que acabam sendo liquidadas ou remodeladas. O medo é um recurso muito convidativo para substituir a demagogia com a argumentação e a política autoritária com a democracia. E os apelos cada vez mais insistentes à necessidade de um Estado de exceção vão nessa direção.

O Papa Francisco parece ser o único líder disposto a desfazer aquilo que o senhor, em outro lugar, chamou de “o demônio do medo”.

O paradoxo é que é precisamente aquele que os católicos reconheçam como o porta-voz de Deus na terra que nos diz que o destino de salvação está nas nossas mãos. A estrada é um diálogo voltado a uma melhor compreensão recíproca, em uma atmosfera de respeito mútuo, em que estejamos dispostos a aprender uns com os outros.

Escutamos Francisco muito pouco, mas a sua estratégia, embora de longo prazo, é a única capaz de resolver uma situação que se assemelha cada vez mais a um campo minado, saturado de explosivos materiais e espirituais, salvaguardados pelos governos para manter a tensão em alta. Enquanto as relações humanas não tomarem o caminho indicado por Francisco, é mínima a esperança de limpar um terreno que produzirá novas explosões, mesmo que não saibamos prever com exatidão as coordenadas.

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