Em meados do século passado, a filósofa Hannah Arendt cunhou a expressão “banalidade do mal” para ilustrar a maneira como determinadas ideias de ódio se disseminaram na sociedade alemã durante o regime nazista. Todavia, a eminente pensadora jamais imaginaria que, décadas mais tarde, com o advento das redes sociais, o mal seria banalizado a níveis estratosféricos e, pior ainda, passaria a ser motivo de orgulho para muitos indivíduos.
Isoladamente, seja por receio de repúdio social ou autocensura, um sujeito não expõe certas ideias preconceituosas, guardando-as para si mesmo. Já a partir do momento em que ele acessa a internet e entra em contato com outras pessoas que assumem posições tão equivocadas quanto as suas, ele se fortalece e passa a não mais temer a possibilidade de revelar os aspectos mais obscuros de sua personalidade.
Em nossa contemporaneidade, bastam um mouse, um computador e um perfil no Facebook para reverberar o ódio em escala global. No ano passado, uma jovem foi vítima de estupro coletivo em uma comunidade carente do Rio de Janeiro. Como reação ao ocorrido, não faltaram frases nas redes sociais para “justificar” essa crueldade: “Ela é mulher de traficante”, “Ela procurou”, “Se estivesse em casa não aconteceria isso”, “Usava roupas curtas”, “Foi merecido”, entre outras colocações demasiadamente preconceituosas. Ou seja, colocou-se toda a culpa na vítima, não nos agressores. Um total desprezo pela condição feminina. E, o pior: muitas vezes essas agressões verbais partem das próprias mulheres.
Já as dezenas de mortes em presídios do norte do país foram consideradas como “massacres do bem”, no melhor estilo da máxima “bandido bom é bandido morto”. Não obstante, muitos internautas vibraram com as facadas sofridas pelo pastor Valdemiro Santiago e também ironizaram o fato de ele ter se tratado do ataque em um hospital, em vez de tentar “curar a si mesmo”.
Ora, por mais controversas que possam ser as atividades do líder religioso, é complicado imaginar alguém se felicitar com o sofrimento de outro ser humano, por pior que ele possa ser. Não por acaso, em uma época de banalidade do mal, um político conhecido por suas ideias homofóbicas, misóginas e por fazer apologia à tortura é frequentemente tratado como “mito” por seus seguidores.
Infelizmente, a maldade hodierna não se restringe ao plano simbólico ou tampouco às redes sociais. Em muitas oportunidades, o ódio se transforma em violência física, podendo gerar, inclusive, vítimas fatais. Não são raras agressões e assassinatos de membros da comunidade LGBT pelo simples fato de eles possuírem orientações sexuais ou de gênero diferentes do que socialmente se convencionou como “normal”.
É a intolerância chegando ao extremo. Por fim, é importante constatar que a maioria das pessoas que adere a práticas de ódio se considera cristã. Jesus, com sua postura inerentemente pacifista, certamente não aprovaria essas atitudes negativas daqueles que se dizem seus seguidores. Seria extremamente complicado para alguém que pregou o amor ao próximo compactuar com discursos que desejam tanto mal aos seus semelhantes. Questão de bom senso.
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Francisco Fernandes Ladeira é mestrando em Geografia
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