Matéria originalmente publicada no site PENSADOR
O Retrato de Dorian Gray é um dos maiores clássicos da língua inglesa. Apesar de ser lembrado como um terror, o livro é também um romance filosófico, com longas exposições de ideias e conceitos, cheios de desafios intelectuais. Desses que, quando acaba, a cabeça fica girando de tanto pensar!
A história perpassa a vida de Dorian que, ao ser retratado em uma pintura, e influenciado por um amigo, apaixona-se pela sua imagem a ponto de escolher “vender a sua alma” para manter-se sempre jovem e belo. As consequências de tal escolha são avassaladoras e acabam em um final, no mínimo, perturbador.
Apesar da história ter semelhanças com o mito grego de Narciso e a lenda alemã do Dr. Fausto, o livro não tem nenhuma intenção declarada de passar lições de moral.
Oscar Wilde (1854-1900), inclusive, era adepto de uma movimento artístico chamada esteticismo, que acreditava que a arte não serve para provar nada. Ou seja: o artista, na visão do autor, não tem obrigação moral, nem ética, nem política. O Retrato de Dorian Gray foi seu único romance publicado, mas Wilde escreveu muitos contos, novelas e peças de teatro.
Contrariando as vontades de Oscar Wilde e fazendo o papel de bons leitores que somos, selecionamos alguns ensinamentos extraídos desta obra imperdível da literatura mundial. Afinal, não há como ignorar as profundas lições aprendidas com a aventura deste jovem inglês.
1. Resistir ao narcisismo: beleza sem caráter não leva a lugar nenhum Essa parece ser a lição mais óbvia do filme. Dorian passou a praticar ações, no mínimo, duvidosas, e abrir mão de qualquer sentimento positivo em nome da vaidade. O final da história deixa claro que a tal da “beleza interior” que tanto prezam pode ser clichê, sim, mas válido. O que nós temos por dentro acaba sendo muito mais precioso para nossa vivência em sociedade (e individual) do que aquilo que os olhos veem.
"O sentimento da beleza o assaltou como uma revelação. Ele nunca o havia sentido antes." — Oscar Wilde em O Retrato de Dorian Gray
2. Tudo tem o seu tempo
O medo de envelhecer e perder sua beleza e juventude leva Dorian Gray a tentar “parar o tempo”: ele quer permanecer intacto, sem lidar com as consequências do envelhecimento. Esta premissa do livro pode nos fazer refletir sobre quando ansiamos por adiantar episódios da vida, ou nos prendemos com medo de viver outros. Isso não funciona: nem na ficção, nem na prática.
Viver o hoje e encarar os reflexos imediatos das nossas ações nos traz maturidade e melhor: nos ensina a assimilar melhor as nossas expectativ
"A beleza não fora senão uma máscara e a juventude uma zombaria. Teria sido melhor para ele que cada pecado tivesse acarretado a respectiva pena, correta, rápida, concomitante." — Oscar Wilde em O Retrato de Dorian Gray
3. Todo cuidado é pouco com as influências
Lord Henry foi o maior influenciador de Dorian Gray. Antes de conhecê-lo, o jovem não tinha ambição de beleza eterna. Com uma personalidade cínica, libertina e bastante inteligente, Henry coloca suas ideias na cabeça de Dorian sem que ele perceba.
Hoje em dia, com o fenômeno das redes sociais, é muito fácil confundir quais ideias, valores e opiniões são realmente nossas ou simplesmente adquiridas de um grupo. Desde quando você acredita no que você acredita e de onde veio isso? Vale perguntar mais vezes.
"Influenciar uma pessoa é dar a ela a própria alma. Ela passa a não pensar com seus pensamentos naturais." — Oscar Wilde em O Retrato de Dorian Gray
4. Todos nós temos um lado bom e um lado ruim
Um dos símbolos mais conhecidos do mundo é o Yin Yang. Ele representa o princípio da dualidade, onde o positivo não vive sem o negativo e vice e versa. Não existe uma pessoa totalmente boa, nem totalmente ruim. Dorian teve seu lado “ruim” ativado, mas no fundo se arrependeu. Entender que as pessoas são feitas de falhas e vitórias é uma das chaves para a tolerância.
"Cada um de nós, Basil, tem em si o céu e o inferno!" — Oscar Wilde em O Retrato de Dorian Gray
5. Não é bom projetar os nossos ideais em outras pessoas
Quantas vezes não fantasiamos com pessoas que sequer sabem que estão fazendo parte da nossa criatividade mental? Desejamos que elas sejam de tal e tal jeito e, no final, a tendência é sempre se decepcionar. Quando idealizamos pessoas e relações, estamos iludindo a ambos. Não fez bem a Dorian Gray e com certeza não fará bem a nós também
"O apaixonado começa iludindo-se a si próprio e acaba enganando os outros. Eis o que o mundo chama um romance." — Oscar Wilde em O Retrato de Dorian Gray
6. Admirar a arte pela arte
Esta é uma lição, na verdade, um tanto controversa para se aprender com o livro. Veja: o próprio Oscar Wilde encorajava que as pessoas vissem a arte como uma possibilidade de abertura para novas ideias e sensações, e não como uma resposta a perguntas.
Dorian faz muito isso no livro: vive o prazer pelo prazer, e não liga para “licões de vida”. As consequências são ruins, no final, mas o objetivo do autor não parece ser puxar a orelha de ninguém: ele acreditava (e pode mesmo ser interessante) que a arte não tem que gerar nenhum tipo de reflexão, necessariamente. Às vezes algo é só mesmo muito bonito.
"Seu objetivo, na verdade, era ser a experiência em si, e não os frutos da experiência, doce ou amarga como eles poderiam ser. (...) Mas foi para ensinar o homem a se concentrar nos momentos de uma vida que é em si apenas um momento." — Oscar Wilde em O Retrato de Dorian Gray
Bônus: “Ser bom é estar em harmonia consigo mesmo”
Essa é frase do livro que pode ter dois significados: um egoísta e perigoso, ou seja: não importa nada do que dizem, desde que você esteja se sentindo bem. E outra mais equilibrada: nem tudo precisa se encaixar em padrões, é importante olhar para dentro de si e encontrar o que realmente te faz bem. (Desde que, é claro, isso não seja prejudicial a ninguém).
"Já foi dito que os grandes eventos do mundo ocorrem no cérebro. É no cérebro e no cérebro que os grandes pecados do mundo também acontecem." — Oscar Wilde em O Retrato de Dorian Gray
Matéria originalmente publicada no site PENSADOR
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