Paulina Chiziane, autora de Niketche: Uma História de Poligamia, venceu por unanimidade a 33.ª edição do Camões, o mais celebrado prémio literário de língua portuguesa, no valor de 100 mil euros.
A escritora moçambicana foi a primeira mulher a publicar um romance no seu país: Balada de Amor ao Vento, de 1990. E é também a primeira mulher africana a receber esta distinção.
No Brasil, ela tem livros publicados pela Companhia das Letras (Niketche) e pela Dublinense (O Alegre Canto da Perdiz). Niketche acomapanha a trajetória de Rami, que, após descobrir que o marido tem várias amantes, decide conhecer cada uma delas. Já O Alegre Canto da Perdiz retrata a vida atribulada de Delfina, dividida entre um marido negro e um amante branco. Ao jornal O Globo, Chiziane disse que recebeu a notícia do Camões com “espanto”.
Composto por seis intelectuais lusófonos — Jorge Alves de Lima e Raul Cesar Gouveia Fernandes (Brasil), Carlos Mendes de Souza e Ana Maria Martinho (Portugal), Tony Tcheka (Guiné-Bissau) e Teresa Manjate (Moçambique) —, o júri destacou o “reconhecimento acadêmico e institucional” que a obra de Chiziane tem recebido, a preocupação de seus livros com “os problemas da mulher moçambicana e africana” e a “construção de pontes entre a literatura e outras artes”. A escritora receberá um prêmio de 100 mil euros, divididos entre os governos do Brasil e de Portugal.
“Não contava com isso. Recebi a notícia e disse: “Meu Deus! Eu já não contava com essas coisas bonitas!” É muito bom. Esse prêmio é resultado de muita luta. Não foi fácil começar a publicar sendo mulher e negra”, diz ela, que é a primeira mulher afriacana a ganhar o Camões. “Depois de tantas lutas, quando achei que já estava tudo acabado, vem esse prêmio. O que eu posso dizer? É uma grande alegria”, completou.
Pioneira
Nascida em 1955, em Maputo, numa família protestante onde se falava diversas línguas, como chope e ronga, Chiziane aprendeu português numa escola católica. Estudou linguística na Universidade Eduardo Mondlane, mas não chegou a se formar.
Nos anos 1970, participou ativamente da Frente de Libertação de Moçambique (Fremilo), que lutava contra o domínio colonial português. Abandonou a política em favor da literatura após se desiludir comos rumos tomados pelo Fremilo após a independência, conquistada em 1975.
Chiziane começou a publicar contos na imprensa em 1984. Em 1990, lançou seu primeiro romance, Balada de Amor ao Vento, ainda inédito no Brasil. Seus livros discutem temas como a poligamia na cultura moçambicana e os conflitos civis que se sucederam à independência. Em 2016, anunciou sua intenção de abandonar a literatura. “Nem sabia que “Balada de amor ao vento” era um romance. Para mim, era só uma história”, conta.
Além do prêmio em dinheiro, o vencedor do Prêmio Camões recebe um diploma assinado pelos presidentes do Brasil e de Portugal. Até hoje, Chico Buarque não recebeu seu diploma. À época, o presidente Jair Bolsonaro deixou claro que a assinatura não era uma prioridade: “Eu tenho prazo? Então 31 de dezembro de 2026, eu assino”. Chico, inimigo do bolsonarismo, comemorou: “Ganhei o segundo Camões”. Segundo a Biblioteca Nacional, Chico já recebeu o dinheiro, mas a cerimônia, marcada inicialmente para o 25 de abril do ano passado (feriado da Revolução dos Cravos em Portugal) foi desmarcada duas vezes devido à pandemia e deve ocorrer em 2022. Não se sabe se Bolsonaro vai ou não assinar o diploma de Chico.
O Prêmio Camões de Literatura foi criado em 1988, pelos governos brasileiro e português, com o objetivo de consagrar um autor de língua portuguesa cuja obra tenha contribuído para o enriquecimento do patrimônio literário e cultural lusófono. A tradição manda alternar a premiação entre autores brasileiros, portugues e luso-africanos. No ano passado, o premiado foi o português Vítor Manuel de Aguiar e Silva. Em 2022, o Camões deve ser concedido um brasileiro.
Ao longo de 33 edições, o prêmio contemplou nomes como Antonio Lobo Antunes, Mia Couto e José Saramago, além dos brasileiros Jorge Amado, Autran Dourado, João Cabral de Mello Neto, Rubem Fonseca, João Ubaldo Ribeiro, Ferreira Gullar, Alberto Costa da Silva e Raduan Nassar.
Informações de SIC Notícias