Onde está a poesia? – Texto de Fabrício Carpinejar
Estou cansado da tristeza. De olhar o dia lindo, o céu azul, o sol brilhando, e não achar que é meu.
Até os pássaros têm mais esperança do que nós, beliscando a pedra para ver se é pão.
Estou cansado da intolerância, da impaciência diante de pensamentos contrários, da execução sumária das aparências.
Estou cansado da ausência da delicadeza, de como não nos comovemos mais com os sons de casa: da chaleira chiando e juntando as pessoas na cozinha, do clique do grampeador juntando papéis velhos, do rádio tocando uma música aleatória e juntando saudades.
Estou cansado de me proteger e de me defender da própria sensibilidade. Estamos ilhados pela raiva, no mesmo naufrágio, evitando que o outro se salve primeiro, dispersando os sinais de fumaça de quem pede ajuda.
Que mundo é este que não para de omitir socorro? Em que mal nos acordamos e temos inimigos e desafetos inexplicáveis, por uma questão de opinião?
Opiniões mudam, caráter não. Não se pode atacar o caráter de alguém pela fragilidade das opiniões.
Dê silêncio ao tempo, para não cometer injustiças.
O ódio é sério, só deveria acontecer depois de muitas chances.
Onde está a poesia? De olhar os pés no fundo cristalino das palavras? De confiar primeiro, discutir em último caso?
Será que ninguém pega um bebê no colo para esquecer as mágoas? Será que ninguém deita a cabeça nas pernas de quem gosta para trocar de perspectiva? Será que não existem mais beijos e carícias no rosto para apequenar as aflições?
Será que ninguém mais elege prioridades em sua vida, não luta pelos seus objetivos além das circunstâncias adversas?
Venho sobrevivendo para poder ver os meus pais de oitenta anos e os meus filhos adolescentes – estamos separados há mais de um ano. Nada é mais importante para mim. Botei em minha cabeça que irei conseguir abraçá-los novamente. Não me distraio do caminho por qualquer notícia ruim. Ajo com cordialidade para chegar lá, para não ser tragado pelo medo e pelo ódio, para não desperdiçar a minha saúde emocional com aborrecimentos.
Cuidar das nossas atitudes é tudo o que nos resta.
Quando criança, lembro que o meu grande dilema na escola era entregar a redação para o professor sem as pontas da folha que havia sido arrancada do caderno. Eu limpava as sobras do espiral. Despetalava uma por uma das arestas. Não alteraria a minha nota, mas eu me sentia caprichando nos detalhes.
Os detalhes são decisivos: aquilo que não se vê, mas faz a maior diferença em nossa vontade de amar.
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