Existe um predador no interior de todos nós. Ele não existe para predar outras pessoas, mas para caçar a nós mesmos, devorando nosso discernimento, afastando a sabedoria. Foi criado a partir de nossos hábitos e padrões de comportamento insalubres, de nossas vaidades e egoísmos, e se alimenta de nossa energia mental, emocional e espiritual.
Como todo predador, ele não age aleatoriamente e sem estratégia; fica à espreita e somente nos domina quando estimulado pelas circunstâncias, emoções e pensamentos que excitem sua ira. E nesta hora, como afirma Thich Nhat Hanh, o grande mestre budista do zen vietnamita, fazemos coisas que não queremos fazer, dizemos coisas que não queremos dizer, pensamos coisas que não gostamos de pensar.
Magoamos a nós mesmos e a outros, incapazes de agir com consciência plena. Esta é a Hora do Lobo, o momento em que caímos na mais lamentável cadeia de ações inconscientes e ignorantes, fundamentadas nos vícios de atitude que desenvolvemos ao longo de nossa vida. E essa triste queda devora nosso discernimento e percepção, e nos nega a sabedoria.
(…)
O fato é que na vida vivemos sob a ditadura das paixões. (…) E, bem, a paixão na verdade não abriga nenhum amor, nenhuma alegria de viver, em si mesma. Os processos passionais são sempre desgastantes, e em algum momento este desgaste se tornará evidente, não há como escapar disso.
Festas frenéticas, viagens apressadas, muitas atividades cotidianas, consumo exagerado, relacionamentos superficiais intensos ou afetos racionalizados em um sem-número de projeções e carências (…).
O exercício das paixões através das fantasias dos sentidos parece mais fácil do que a conquista da felicidade através do equilíbrio da consciência.
Além disso, quem afinal compreende o sentido da vida? Quem realmente pode se valer do inefável sentimento de contentamento?
(Para a mente viciada em hábitos egoístas) Mais valiosas são as excitações imediatas, a luta para conquistar mais beleza física, mais domínio, mais poder, mais dinheiro e fama, mais intelectualidade, mais corroboração de nossos pontos de vista (…).
O predador (…) é o agente das nossas atitudes insalubres, que nos faz sentir menores diante da vida. Ele habita nossos corações e mentes, esperando o momento de nos dominar. E quando nos defrontamos com um desafio, um gesto, uma palavra ou uma ideia que de alguma forma estimule os hábitos arraigados em nossa mente, o predador ataca nossa percepção com uma fúria e velocidade terríveis.
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Liberte-se de seu predador. Observe meios de prática que podem desestimular os hábitos arraigados em você, e que são tão prejudiciais. E, por favor, abandone o vício de apenas procurar o predador nos outros; cada um de nós tem seu caminho, e não nos cabe a injustiça de sustentar nossos argumentos acusando a doença de comportamento alheia.
Saiba atingir o correto equilíbrio entre o reconhecimento do predador alheio e o melhor meio de se defender dele. E a melhor forma de nos defender do lobo que habita os corações dos nossos semelhantes é ter a coragem de apaziguar o nosso próprio lobo interior. Este é o segredo.
(…)
Somos muito mais do que presas de um predador. Podemos muito mais do que apenas agir com ignorância e intolerância. Podemos ser livres, serenos e fortes ao mesmo tempo. A vida é um sonho que pode ser vivido sem pesadelos.
Acredite nisso, e confie: não somos escravos de nossas paixões. O predador pode ser superado, ele pode ser derrotado. Basta termos a coragem de viver saboreando as belezas da vida com uma mente simples e dedicada, e não devorando com paixão e impulsividade a nossa própria liberdade…
“A Hora do Lobo”, 2005 – Miklos, Claudio – “O Hóspede da Caverna”; 1ª Edição Revisada. Rio de Janeiro, 2007. pp. 111-117.
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