Por Erick Morais
O que é mais importante o peso ou a leveza? Questionamento difícil de responder, afinal ambas possuem qualidades e vicissitudes, de tal modo que a questão torna-se um ponto alto de reflexão. É desse modo que se constrói “A Insustentável Leveza do Ser”, obra-prima do Tcheco Milan Kundera, ao comparar essas duas características por meio de uma reflexão filosófica marcada por um tom poético, garantindo à obra uma beleza sem igual na literatura.
Na contemporaneidade, a leveza, ou seja, a ideia de ser livre ganhou destaque. Estar na moda é ser livre, é viver de forma desprendida em relação ao que nos circunda. A liberdade passou a ser vangloriada como uma grande virtude, a virtude daqueles que sabem voar. Mas será que a leveza é mesmo uma virtude? A felicidade está imbricada à liberdade?
O ser leve é aquele que não cria vínculos, não carrega malas, pois os vínculos trazem pesos que o impedem de flutuar pela vida. Para o ser leve não há quem lhe diga o que fazer ou não fazer, o certo ou errado; é livre para expor seus pensamentos, sentimentos e desejos.
O ser leve dança com destreza, ri da vida, afinal, não existe algo que o prenda, que o impeça de falar e fazer o que lhe apetece. Por isso, a leveza era vista por Parmênides (filósofo grego), como positiva. O ser só é completo, quando possui a liberdade para ser o seu eu sem restrições; sem peso.
Assim, a leveza é vista de forma positiva, como uma espécie de ser lúdico que passeia pela vida. De fato, é preciso ter leveza para sonhar, enxergar o inimaginável, arriscar, experimentar. Pois:
“Pelo fato da vida ser, relativamente, tão curta e não comportar ‘reprises’, para emendarmos nossos erros, somos forçados a agir, na maior parte das vezes, por impulsos, em especial nos atos que tendem a determinar nosso futuro.”
Se olhado sob essa perspectiva, o peso é negativo (era assim que Parmênides o via). Entretanto, o que é a vida senão um caminhar de mãos dadas? O peso vem quando nos relacionamos, mais que isso, quando nos permitimos ser tocados. O peso está em tudo que nos move, nos liga. O peso é a voz do outro que ecoa dentro de nós.
O peso nos faz terrenos, nos faz fracos, nos impede, muitas vezes, de fazer, de dizer. Mas, é esse mesmo peso que nos aproxima dos outros, do ser amado e dá sentido à vida. O peso nos aproxima do chão, permite que olhemos nos olhos do outro e possamos sentir a dor que o aflige.
“Mesmo nossa própria dor não é tão pesada como a dor co-sentida com outro, pelo outro, no lugar do outro, multiplicada pela imaginação, prolongada em centenas de ecos.”
O amor, assim, está no campo do peso. Tudo que amamos nos traz um peso, já que, quando amamos algo, destinamos uma força enorme para segurá-lo. Não somente uma pessoa, mas também uma causa, a qual nos dedicamos tanto, que é impossível viver sem ela.
O peso nos dá sentido e nos guia na neblina. Mas, como peso, traz consequências negativas; choro, tristeza, e, por vezes, nos prende, nos sufoca, como num beco sem saída. Dessa forma, qual o melhor caminho?
“Quanto mais pesado o fardo, mais próxima da terra está a nossa vida, e mais ela é real e verdadeira. Por outro lado, a ausência total de fardo faz com que o ser humano se torne mais leve do que o ar, com que ele voe, se distancie da terra, do ser terrestre, faz com que ele se torne semi-real, que seus movimentos sejam tão livres quanto insignificantes. Então, o que escolher? O peso ou a leveza?”
A leveza por si só tornar-se insustentável, pois à medida que nos elevamos, uma responsabilidade nos é colocada (e responsabilidades tiram a leveza). A responsabilidade de ser livre impõe decisões sem nenhum apoio, sem nenhuma ajuda, sem importância aos outros.
O peso, por sua vez, nos faz terrenos, dramáticos, necessários, importantes. Como já dito, é preciso sonhar e arriscar, isto é, ser leve. Mas, é preciso ser importante, fazer com que alguém te porte para dentro (importe) e divida a dor que faz parte da vida.
A leveza e o peso são contraditórios e complementares. A vida necessita dos dois. A leveza para voar, sonhar, ri; o peso para amar, importar, chorar. Pois, como diz Machado:
“Enquanto uma chora, outra ri; é a lei do mundo, meu rico senhor; é a perfeição universal. Tudo chorando seria monótono, tudo rindo cansativo; mas uma boa distribuição de lágrimas e polcas, soluços e sarabandas, acaba por trazer à alma do mundo a variedade necessária, e faz-se o equilíbrio da vida.”