A democracia está em crise. O mundo inteiro passa por problemas no que tange à questão da representatividade, uma vez que os cidadãos não se sentem verdadeiramente representados pela classe política. Diante desse cenário, há, inclusive, o crescimento da extrema-direita, que em momentos de turbulência, sempre se coloca como a única saída para se recuperar a estabilidade. Havendo, então, uma crise, há de se questionar os seus motivos, bem como entender se existe mesmo razão para se falar em perda da representatividade.
A despeito disso, Saramago já advertiu que não vivemos em uma democracia, e sim, em uma plutocracia, em que os Estados deixam de servir o povo, para atender os interesses dos poderes econômicos. Não é segredo para ninguém que as grandes corporações possuem íntimas ligações com a classe política, seja de forma obscura, como acontece no Brasil, seja de forma mais clara, como acontece nos Estados Unidos. A grande problemática que surge a partir disso, é que, apesar da classe política ser eleita a partir dos votos dos cidadãos, em seu exercício de poder, ela busca de todos os modos manter os privilégios das grandes empresas, custe os direitos de quem custar, como falava Milton Santos.
Esse processo que se aprimorou com o neoliberalismo e, consequentemente, o processo de abertura e desregulamentação das economias, fez com que a imbricação entre Poder Estatal e Poder Financeiro se tornasse ainda mais forte, de tal maneira, que hoje, é extremamente difícil separar uma coisa da outra, já que além dos Estados criarem condições para que os megaempresários tenham terreno livre para fazer seus negócios (sendo mínimos nesse momento), eles também os socorrem em momentos de crise, como o atual, (sendo musculosos nesse instante) e cobrando, obviamente, do povo, o preço da conta que não quer fechar.
Posto isso, retomo a questão da representatividade e concluo que não há motivos para haver uma crise ou descrédito do cidadão com o Estado, uma vez que está mais do que claro que ele não existe para proteger os indivíduos e ser responsável pela materialização dos seus direitos, mas sim, para proteger os donos do poder econômico, o que significa dizer, em um sistema governado exclusivamente pelo dinheiro e para o lucro, donos do poder político concomitantemente.
No entanto, onde fica o “cidadão” nisso? O cidadão é levado a acreditar que a sua participação política e, por conseguinte, a sua cidadania reside unicamente no consumo. É por meio do consumo, no consumo e pelo consumo que o sujeito vive individualmente e acredita existir também socialmente. Possuir saneamento básico, transporte público de qualidade, educação digna, já não faz parte do pacote de direitos sociais. Esses direitos existem na medida em que você possui condições materiais de adquirir tudo isso de modo privado. E como a fábula diz que o dinheiro circula para todos, só não possui todos os direitos e é cidadão, portanto, quem não quer.
Mas, eis que surge uma pergunta: por que as pessoas aceitam tão facilmente tudo isso? Embora seja uma questão extremamente complexa, não se pode deixar de considerar que a nossa consciência desde cedo é estimulada a aderir ao status quo sem questioná-lo. Somos bombardeados pela mídia o tempo inteiro com mensagens sobre a felicidade plena que existe no consumismo, que até mesmo para mentes mais esclarecidas e resistentes, é difícil não sucumbir ou deixar que alguma coisa penetre e “colha” (consuma) os seus frutos.
E, assim, diante do império do consumo, como falou Galeano, torna-se muito complicado convencer alguém de que ela não será feliz, portadora de direitos e cidadã apenas pelo consumo. É claro que reside em nós, por mais que as condições sejam adversas, um espaço de escolha que determina se seremos livres ou escravos. Todavia, esse espaço tem sido a cada dia reduzido, haja vista que o desenvolvimento tecnológico tem servido muito mais para nos convencer de quem não somos cidadãos de direito, e sim, cidadãos de dinheiro.
Esse processo ditatorial da consciência humana já era previsto por Marx, posto que na medida em que o capital se desenvolvesse, haveria também o desenvolvimento nas condições de imposição da ideologia dominante. Mais do que qualquer pessoa, os donos do poder entenderam perfeitamente isso e compreenderam que não haveria condições de manter uma sociedade controlada apenas pela força, haveria de convencê-la a se dobrar pela própria vontade e isso só poderia acontecer dominando o seu inconsciente.
Desse modo, com uma sociedade de indivíduos subservientes, que consomem o tempo inteiro mensagens ideologizadas pela tirania da informação, lembrando Milton outra vez, não há condições para que o sistema se estruture e funcione de forma diferente da que está posta. Esse adestramento, que converte pessoas em soldados do consumo, faz com que haja uma despolitização dos indivíduos que assistem passivamente a tudo que acontece, saindo somente da sua condição de espectadores para reclamar se as condições para atingir o consumo estiverem muito árduas.
Assim, a plutocracia ou, como prefiro chamar, o Estado Democrático do Dinheiro torna-se uma estrutura cada vez mais sólida, embora vivamos na modernidade líquida, já que existe toda uma estrutura ideológica formando uma sociedade de espectadores, que acreditam que o fim último e maior das suas vidas (individuais e coletivas/política) é ter condições de esvaziar um shopping center.
É preciso considerar que nesse jogo entre reis e peões, o povo está perdendo e por mais que os senhores do poder econômico-político mereçam ser responsabilizados pelo esfarelamento do “social” nestes tempos, também é necessário repensar de que modo nós temos utilizado o pequeno espaço de liberdade que possuímos, porque as condições não serão modificadas de cima para baixo, mas de baixo para cima, já que se o poder emana do povo, é somente por ele que a Democracia pode ser salva. Enquanto permitirmos que a condição escrava de meros espectadores se abata sobre nossos ombros, nunca conseguiremos que a classe política exerça sua função democrática, pois como disse Proudhon: “A política é a ciência da liberdade”.
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