“Zilu informa que a filha, Camila Camargo, irmã de Wanessa, se casou.”* Bom, eu não sei vocês, mas essa “notícia” importantíssima não mudou em nada a minha vida, tampouco, deixou-me mais informado sobre o que quer que seja. Entretanto, se abrirmos portais de notícia, dificilmente, não nos deparemos com informações “valiosíssimas” como essa, o que suscita o questionamento acerca do real valor da chamada “Era da Informação”. Ou seria o contrário?
Em um mundo em ebulição, é estranho perceber que notícias/informações do gênero supracitado sejam muito mais veiculadas do que discussões que se direcionam ao pensamento público. É como se o espaço de discussões privadas tivesse tomado o espaço de discussões públicas, o que se reverbera não apenas nos sem número de pseudonotícias sobre a vida privada dos famosos e sub-famosos, mas também no âmbito da classe política, em que constantemente há discussões com pauta na vida íntima e privada de cada um.
Ao mesmo tempo em que ocorre o que Habermas chama de “publicização do privado”, há também a “privatização do público”, em que as pautas de âmbito e interesse público, esvaziadas do cenário político e da opinião pública, acabam sendo construídas, na sua maioria, individualmente, sem haver necessariamente um intercâmbio de pensamentos e ideias, algo imprescindível para que decisões que afetem a sociedade sejam tomadas em uma realidade que se pretende (ou diz ser) democrática.
Pegando carona nas ideias de Habermas, Zygmunt Bauman nos alerta para o perigo de que esses fenômenos causem o desmoronamento da democracia, uma vez que sem uma estrutura política e midiática que estimule os indivíduos a participarem de discussões sobre a coisa pública, não há como se ter uma democracia que faça jus ao nome. É o que ele diz em “Babel – Entre a Incerteza e a Esperança”:
“O conceito de público está desmoronando e trata-se de um vazio democrático sem precedentes.”
Os perigos desse vazio democrático, segundo Bauman, consistem na formação de uma opinião pública frágil, que tende em momentos de crise, por exemplo, a estabelecer respostas simplistas para problemas complexos, uma vez que esvaziado o espaço de discussões de assuntos relevantes para a sociedade, isto é, de viés público, há, consequentemente, a perda de conteúdo necessário para que se consiga chegar a respostas e saídas mais complexas e articuladas para problemas que exigem mais do que fórmulas mágicas baseadas, não raras vezes, em interesses particulares de um determinado segmento ou grupo da sociedade.
Dessa maneira, há o desestimulo à responsabilidade social, abrindo as portas para a predominância da hostilidade coletiva, com indivíduos prontos para dominar e conquistar o campo público/político. Sujeitos que conseguem conduzir facilmente massas desorientadas, em uma versão moderna do flautista de Hamelin, um perigoso neopopulismo advertido por Ezio Mauro no mesmo “Babel”:
“Um período em que figuras xamânicas que reduzem o mecanismo político ao seu carisma, fazem apelos aos nossos instintos, emocionalmente, e engendram medos para transformá-los em grandes trivialidades, como se fosse possível haver soluções simples para problemas complexos. Eu chamo esse efeito de neopopulismo, representação perfeita de uma forma democrática progressivamente esvaziada e por isso aberta a todas as distorções do seu conteúdo, de modo a poder ser explorada, alternativamente, para fazer convergir toda a raiva contra o sistema, incitando-a em prol dos ganhos e da disputa de poder dos outros.”
Sendo assim, a falta de discussões públicas dentro do cenário da opinião pública, seja da classe política propriamente dita, seja nos meios de comunicação, cria um cenário que desfavorece o próprio fortalecimento das instituições democráticos e da identidade cidadã de cada um, que deve compreender que a sua existência está incutida dentro de uma pólis, de uma sociedade, que depende da sua participação e ação enquanto um animal político. Na medida em que isso não ocorre, os problemas sociais (que não desaparecem porque simplesmente não pensamos neles de modo coletivo), permanecem, sendo manipulados por interesses escusos que não atendem ao interesse público.
E neste ponto, retomo Zilu e sua história para perguntar em que ponto o desenvolvimento dos meios de comunicação e todo o aparato tecnológico de que dispomos para acessá-los têm nos ajudado enquanto seres sociais, políticos, públicos? E se existe a possibilidade de sermos informados com verdade, dignidade e qualidade, por que isso não ocorre? Quem se beneficia do estado de hostilidade e ignorância coletiva? Obviamente, não é o povo.
Na era da informação quem controla esta possui o poder em suas mãos e pode utilizá-la como bem quiser, inclusive, para vendê-la como conhecimento, enquanto se forma mais e mais pessoas ignorantes. Entretanto, por mais que o outro lado possua o monopólio da força ao seu poder, deste há e sempre haverá o monopólio da revolta, embora esta seja muito pouca usada, sobretudo, porque é sempre mais fácil, como diz Bauman – “Aguçar os ouvidos para o alívio dos fardos” – mesmo que essas mesmas vozes nos conduzam ardilosamente para um buraco profundo e sem volta.
* A “notícia” que abre o texto é apenas exemplificativa para a problemática, a qual, obviamente, não diz respeito propriamente à Zilu ou a qualquer outro “famoso”.