Literatura

Os 10 melhores poemas de Hilda Hilst para conhecer e se encantar

Distinguida por vários de nossos mais significativos prêmios literários, presente em numerosas antologias de poesia e ficção, tanto nacionais como estrangeiras, há muito seu nome está incluído nos dicionários de autores brasileiros contemporâneos.

De temperamento transgressor, prezando a liberdade, dona de uma rara beleza e coragem, culta e poeta, Hilda teve uma personalidade marcante e sedutora que ia de encontro aos costumes tradicionais vigentes nos anos 50, criando-se um folclore ao seu redor que, segundo alguns críticos, até chegou a ofuscar a importância de sua obra.

Criadora de textos magníficos, onde Atemporalidade, Real e Imaginário se fundem e os personagens mergulham no intenso questionamento dos significados, buscando compreensão, resgate da raiz, encontro do essencial, Hilda retrata sem cessar nossa limitada/ilimitada, frágil e surpreendente condição humana.

Descubra a seguir 10 dos melhores e encantadores poemas de Hilda Hilst:

1. Tateio

  1. A beleza das palavras é a grande arma da poesia e Hilda Hilst era uma hábil guerreira. Assim, como não falar de amor em seus versos? Este sentimento de grande inspiração dos poetas.

Tateio. A fronte. O braço. O ombro.

O fundo sortilégio da omoplata.

Matéria-menina a tua fronte e eu

Madurez, ausência nos teus claros

Guardados.

Ai, ai de mim. Enquanto caminhas

Em lúcida altivez, eu já sou o passado.

Esta fronte que é minha, prodigiosa

De núpcias e caminho

É tão diversa da tua fronte descuidada.

Tateio. E a um só tempo vivo

E vou morrendo. Entre terra e água

Meu existir anfíbio. Passeia

Sobre mim, amor, e colhe o que me resta:

Noturno girassol. Rama secreta.

2. Dez chamamentos ao amigo

Se te pareço noturna e imperfeita

Olha-me de novo. Porque esta noite

Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.

E era como se a água

Desejasse

Escapar de sua casa que é o rio

E deslizando apenas, nem tocar a margem.

Te olhei. E há tanto tempo

Entendo que sou terra. Há tanto tempo

Espero

Que o teu corpo de água mais fraterno

Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta

Olha-me de novo. Com menos altivez.

E mais atento.

3. Cantares de perda e predileção

Com este poema, venceu o Prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro, no ano de 1984, e o Prêmio Cassiano Ricardo do Clube de Poesia de São Paulo, em 1985.

Ela ainda recebeu outros prêmios por seu trabalho como o Prêmio APCA para o seu livro Ficções, considerado o melhor do ano em 1977. Recebeu ainda o Grande Prêmio da Crítica para o Conjunto da Obra em 1981.

Vida da minha alma:

Recaminhei casas e paisagens

Buscando-me a mim, minha tua cara.

Recaminhei os escombros da tarde

Folhas enegrecidas, gomos, cascas

Papéis de terra e tinta sob as árvores

Nichos onde nos confessamos, praças

Revi os cães. Não os mesmos. Outros

De igual destino, loucos, tristes,

Nós dois, meu ódio-amor, atravessando

Cinzas e paredões, o percurso da vida.

Busquei a luz e o amor. Humana, atenta

Como quem busca a boca nos confins da sede.

Recaminhei as nossas construções, tijolos

Pás, a areia dos dias

E tudo que encontrei te digo agora:

Um outro alguém sem cara. Tosco. Cego.

O arquiteto dessas armadilhas.

4. Poemas aos Homens do nosso tempo

Amada vida, minha morte demora.

Dizer que coisa ao homem,

Propor que viagem? Reis, ministros

E todos vós, políticos,

Que palavra além de ouro e treva

Fica em vossos ouvidos?

Além de vossa RAPACIDADE

O que sabeis

Da alma dos homens?

Ouro, conquista, lucro, logro

E os nossos ossos

E o sangue das gentes

E a vida dos homens

Entre os vossos dentes.

Ao teu encontro, Homem do meu tempo,

E à espera de que tu prevaleças

À rosácea de fogo, ao ódio, às guerras,

Te cantarei infinitamente à espera de que um dia te conheças

E convides o poeta e a todos esses amantes da palavra, e os outros,

Alquimistas, a se sentarem contigo à tua mesa.

As coisas serão simples e redondas, justas. Te cantarei

Minha própria rudeza e o difícil de antes,

Aparências, o amor dilacerado dos homens

Meu próprio amor que é o teu

O mistério dos rios, da terra, da semente.

Te cantarei Aquele que me fez poeta e que me prometeu

Compaixão e ternura e paz na Terra

Se ainda encontrasse em ti, o que te deu.

5. Cinco Elegias – quarta

Após ler o livro Carta a El Greco, de Nikos Kazantzakis, a escritora resolve sair da vida agitada de São Paulo e muda-se para a fazenda da mãe em Campinas. Passou dois anos construindo ao pormenor a sua Casa do Sol, que ficou pronta em 1966 e onde viveu até o fim de sua vida em 2004, aos 73 anos.

Não te espantes da vontade

Do poeta

Em transmudar-se:

Quero e queria ser boi

Ser flor

Ser paisagem.

Sentir a brisa da tarde

Olhar os céus, ver às tardes

Meus irmãos, bezerros, hastes,

Amar o verde, pascer,

Nascer

Junto à terra

(À noite amar as estrelas)

Ter olhos claros, ausentes,

Sem o saber ser contente

De ser boi, ser flor, paisagem.

Não te espantes. E reserva

Teu sorriso para os homens

Que a todo custo hão de ser

Oradores, eruditos,

Doutos doutores

Fronte e cerne endurecido.

Quero e queria ser boi

Antes de querer ser flor.

E na planície, no monte,

Movendo com igual compasso

A carcaça e os leves cascos

(Olhando além do horizonte)

Um pensamento eu teria:

Mais vale a mente vazia.

E sendo boi, sou ternura.

Aunque pueda parecer

Que del poeta

Es locura.

6. Que este Amor não me Cegue

Que este amor não me cegue nem me siga.

E de mim mesma nunca se aperceba.

Que me exclua do estar sendo perseguida

E do tormento

De só por ele me saber estar sendo.

Que o olhar não se perca nas tulipas

Pois formas tão perfeitas de beleza

Vêm do fulgor das trevas.

E o meu Senhor habita o rutilante escuro

De um suposto de heras em alto muro.

Que este amor só me faça descontente

E farta de fadigas. E de fragilidades tantas

Eu me faça pequena. E diminuta e tenra

Como só soem ser aranhas e formigas.

Que este amor só me veja de partida.

7. Sete Cantos de poeta para o anjo

Canto Primeiro

Se algum irmão de sangue (de poesia)

Mago de duplas cores no seu manto

Testemunhou sem anjo em muitos cantos

Eu, de alma tão sofrida de inocências

O meu não cantaria?

E antes deste amor

Que passeio entre sombras!

Tantas luas ausentes

E veladas fontes.

Que asperezas de tato descobri

Nas coisas de contexto delicado.

Andei

Em direção oposta aos grande ventos.

Nos pássaros mais altos, meu olhar

De novo incandescia. Ah, fui sempre

A das visões tardias!

Desde sempre caminho entre dois mundos

Mas a tua face é aquela onde me via

Onde me sei agora desdobrada.

8. Lobos? São muitos.

Mas não falou somente de amor. Aproveitou para usar os seus poemas como meio de mostrar o seu descontentamento com os governantes da época.

Mas tu podes ainda

A palavra na língua

Aquietá-los.

Mortos? O mundo.

Mas podes acordá-lo

Sortilégio de vida

Na palavra escrita.

Lúcidos? São poucos.

Mas se farão milhares

Se à lucidez dos poucos

Te juntares.

Raros? Teus preclaros amigos.

E tu mesmo, raro.

Se nas coisas que digo

Acreditares.

9. Do amor contente e muito descontente – VI

Tudo é triste. Triste como nós

Vivos ausentes, a cada dia esperando

O imutável presente.

Tudo é triste. Triste como eu

Antiga de carícias

De olhos e lamentos

Lenta no andar, lenta

Irmã

De algum canto de ave

De silêncio na nave, irmã.

Vamos partir, amor.

Subir e descer rios

Caminhar nos caminhos

Beijar

Amar como feras

Rir quando vier a tarde.

E no cansaço

Deitaremos imensos

Na planície vazia de memórias

10. Testamento lírico

Perto do fim, sabia bem quem era. Uma mulher a frente de seu tempo, habilidosa e mágica com as palavras. Hoje, a sua Casa do Sol foi transformada no Instituto Hilda Hilst, onde está preservado o seu acervo pessoal.

Se quiserem saber se pedi muito

Ou se nada pedi, nesta minha vida,

Saiba, senhor, que sempre me perdi

Na criança que fui, tão confundida.

À noite ouvia vozes e regressos.

A noite me falava sempre sempre

Do possível de fábulas. De fadas.

O mundo na varanda. Céu aberto.

Castanheiras douradas. Meu espanto

Diante das muitas falas, das risadas.

Eu era uma criança delirante.

Nem soube defender-me das palavras.

Nem soube dizer das aflições, da mágoa

De não saber dizer coisas amantes.

O que vivia em mim, sempre calava.

E não sou mais que a infância. Nem pretendo

Ser outra, comedida. Ah, se soubésseis!

Ter escolhido um mundo, este em que vivo,

Ter rituais e gestos e lembranças.

Viver secretamente. Em sigilo

Permanecer aquela, esquiva e dócil.

Querer deixar um testamento lírico

E escutar (apesar) entre as paredes

Um ruído inquietante de sorrisos

Uma boca de plumas, murmurante.

Nem sempre há de falar-vos um poeta.

E ainda que minha voz não seja ouvida

Um dentre vós, resguardará (por certo)

A criança que foi. Tão confundida.

Com adaptações de Pensador / sociedadedospoetasamigos

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