por Jonathan Haidt / The Guardian – Via Fronteiras do Pensamento
Falamos o tempo todo sobre os modos de tornar as crianças mais “resistentes”. No entanto, seja lá o que estamos fazendo, não está dando certo.
Os níveis de transtornos de ansiedade e depressão vêm crescendo rapidamente entre adolescentes, e nos Estados Unidos as universidades já não conseguem contratar terapeutas em um ritmo rápido o bastante para atender à demanda. O que estamos fazendo de errado?
Nassim Taleb inventou a palavra “antifrágil” e empregou o conceito em seu livro de mesmo nome para descrever um grupo bem pequeno, mas muito importante de sistemas que se beneficiam de choques, desafios e desordem. Alguns exemplos são os nossos ossos e o sistema bancário: ambos se tornam mais fracos – e mais propensos a fracassos catastróficos – quando se deparam com um grande desafio após longos períodos sem contato com fatores estressores.
O sistema imunológico é um exemplo ainda melhor: ele requer exposição a certos tipos de germes e possíveis alergênicos ainda na infância para desenvolver suas capacidades plenas. Pais que tratam seus filhos como seres frágeis (por exemplo, mantendo-os longe da sujeira e de possíveis alergênicos, como amendoins) privam os sistemas imunológicos ainda imaturos de suas crianças das experiências de aprendizado necessárias para que desenvolvam ao máximo sua capacidade protetiva.
As habilidades sociais e emocionais são tão antifrágeis quanto os sistemas imunológicos. Se formos superprotetores com nossos filhos e os “blindarmos” de situações sociais desagradáveis e emoções negativas, estaremos privando-os dos desafios e oportunidades necessários para o desenvolvimento de suas capacidades e seu fortalecimento. Esses jovens terão maior probabilidade de sofrer mais tarde, quando forem expostos a novos acontecimentos desagradáveis, mas corriqueiros em nossas vidas, como provocações e episódios de exclusão social.
Aqui, cabem alguns avisos: crianças precisam ter amigos e uma figura de referência confiável e amorosa. Jovens criados com níveis elevados de medo, em ambientes violentos ou imprevisíveis, experimentam níveis mais altos de hormônios do estresse, e seus efeitos permanecem por períodos mais longos.
A longo prazo, essa exposição ao medo pode alterar em definitivo o desenvolvimento cerebral e potencializar as respostas a situações de stress, gerando consequências para a saúde física e mental que perdurarão durante toda a sua vida.
Mas períodos breves de exposição a níveis normais de stress são inofensivos. Na verdade, são essenciais. O relatório de uma pesquisa sobre o stress publicado em 2013 com o título “Understanding resilience” [Entendendo a resistência] explicitou essa analogia com o sistema imunológico: “A inoculação do stress é uma forma de imunidade contra estressores futuros, de forma muito semelhante às vacinas que induzem a imunidade contra uma doença.” Sendo assim, o que aconteceria se deixássemos de imunizar as crianças de uma hora para a outra contra esse tipo de stress?
Recentemente, escrevemos um livro em parceria com Greg Lukianoff chamado The Coddling of the American Mind [algo como “Mimando a Mente Americana”] sobre a cultura que emergiu nas universidades estadunidenses a partir de 2014 e se espalhou também para alguns campi no Canadá e no Reino Unido. No livro, descrevemos como foi adotado nesses locais um vocabulário de perigo e segurança para descrever ideias e palestrantes, bem como exigir políticas baseadas na premissa de que alguns estudantes são frágeis (ou “vulneráveis”).
Termos como “espaço seguro”, “gatilho” e “microagressão” foram incorporados à linguagem universitária. Acreditamos que tais exigências vêm de uma geração que foi privada da quantidade devida de imunização social. Hoje, a reação dos estudantes é uma espécie de reação alérgica (muitas vezes dizendo que algo lhes deu “gatilho”) a coisas que as gerações anteriores teriam varrido para longe ou desmontado com argumentos.
A culpa não é dos jovens. No Reino Unido, assim como nos Estados Unidos, os pais passaram a sentir muito mais medo nos anos 1980 e 1990, quando a TV a cabo e a Internet expôs todos, e cada vez mais, aos raros casos de crimes brutais e acidentes bizarros que, como relatamos em nosso livro, têm ocorrido cada vez menos nos dias de hoje. As brincadeiras ao ar livre e a liberdade de movimentação entre os jovens caíram, assim como cresceu o tempo que passavam em frente a uma tela ou sob a supervisão de adultos.
Ainda assim, brincadeiras livres em que as crianças desenvolvem suas próprias regras de interação, assumem pequenos riscos e aprendem a controlar pequenos riscos (como uma guerra de bolas de neve) são aspectos cruciais para o desenvolvimento das capacidades sociais, e até físicas, de um adulto. Privá-las de brincar livremente prejudica seu amadurecimento sócio emocional.
Os pesquisadores noruegueses Ellen Sandseter e Leif Kennair, ambos estudiosos das brincadeiras, escreveram sobre os “efeitos antifóbicos de brincadeiras emocionantes.” Eles observaram que as crianças buscam acrescentar riscos às suas brincadeiras de forma espontânea, e isso aumenta sua capacidade de lidar com diferentes situações e lhes prepara para assumir desafios maiores. Eles alertaram: “Poderemos constatar níveis mais elevados de neurose e psicopatologias em nossa sociedade caso as crianças sejam impedidas de participar de atividades com riscos adequados à sua idade.” Eles escreveram essas palavras em 2011. Durante os anos seguintes, sua previsão se tornou realidade.
Os números da saúde mental nos Estados Unidos e no Reino Unido contam a mesma terrível história: as crianças nascidas após 1994 – conhecidas como “iGen” ou “Geração X” – têm apresentado índices muito maiores de distúrbios de ansiedade e depressão do que a geração anterior (os millenials), nascidos entre 1982 e 1994.
A tendência de aumento da depressão entre garotos e garotas adolescentes também se manifesta no Reino Unido. Não há dados disponíveis no Reino Unido sobre casos graves de depressão, mas o Serviço Nacional de Saúde disponibiliza relatórios detalhados com estatísticas referentes à saúde mental na Inglaterra entre 2004 e 2017, o que nos permite traçar uma comparação direta para o mesmo período de tempo. Se utilizarmos critérios mais estritos, que nos fornecem índices gerais mais baixos, o padrão é semelhante: um pequeno aumento para os garotos, quase o dobro de casos entre as garotas.
Esse aumento alarmante não se manifesta apenas no crescente desejo dos adolescentes de falar sobre a própria saúde mental; ele também traz reflexos em seu comportamento, sobretudo nos índices crescentes de internação hospitalar de garotas adolescentes devido à ferimentos autoinfligidos, sobretudo cortes deliberados.
Estudos amplos realizados nos EUA e no Reino Unido com dados que vão até 2014 mostram o crescimento acentuado das curvas a partir de 2009, com aumentos de mais de 60% em ambos os países. Um estudo do Guardian de 2017, elaborado com dados mais recentes do Serviço Nacional de Saúde, constatou um aumento de 68% nas internações de garotas inglesas adolescentes por danos autoinfligidos, na comparação com a década anterior.
Ainda mais trágico é o fato de que a mesma tendência pode ser observada nos suicídios de adolescentes, que vêm crescendo entre ambos os sexos nos EUA e no Reino Unido. A taxa de suicídios aumentou 34% entre adolescentes do sexo masculino nos EUA (em 2016, comparado com a média entre 2006 e 2010). Para as garotas, o crescimento é de espantosos 82%.
No Reino Unido o aumento correspondente entre garotos adolescentes até 2017 é de 17%, enquanto o aumento entre garotas é de 46%. Ninguém sabe ao certo por que os anos recentes vêm trazendo mudanças consideravelmente maiores para as garotas, mas a hipótese mais aceita diz respeito ao surgimento dos smartphones e redes sociais.
As garotas usam as redes sociais mais do que os garotos, e parecem ser mais afetadas pelas comparações sociais crônicas, pela ênfase na aparência física, pelo sentimento de exclusão e por agressões sociais ou de relacionamento, facilitadas pelas redes sociais.
O que podemos fazer para reverter essas tendências? Como podemos criar filhos fortes o bastante para lidarem com os desafios ordinários e extraordinários da vida? Existe um ditado popular muito poderoso: prepare seu filho para a estrada, e não a estrada para o seu filho. Assim que você compreender o conceito de antifragilidade, entenderá por que esse ditado é verdadeiro.
Claro, devemos trabalhar para tornar a vida mais segura, removendo do ambiente perigos físicos como pedófilos e motoristas bêbados. E, claro, devemos ensinar as crianças a tratarem umas às outras com respeito e bondade. Mas também precisamos deixá-las livres para explorarem suas estradas sem nós.
É o que a maioria de nós, com idades superiores aos 40 anos, fizemos (em décadas com muito mais criminalidade), e é o que a maioria dos jovens deseja. No início, dar liberdade aos filhos assusta os pais. Mas quando uma criança de sete anos dá pulos de orgulho e empolgação após dar uma volta sozinha, fica mais fácil deixar que ela brinque com os amigos em um parquinho perto de casa, onde todos eles aprenderão a cuidar uns dos outros e resolver seus próprios conflitos.
Não podemos garantir que dar maior independência às crianças em idade escolar hoje reduzirá as taxas de suicídio entre adolescentes amanhã. A relação entre superproteção na infância e enfermidades mentais na adolescência são sugestivas, mas não conclusivas, e também existem outras causas prováveis. Mesmo assim, temos bons motivos para suspeitar que, ao privarmos nossas crianças naturalmente antifrágeis da ampla gama de experiências necessárias para que elas se tornem fortes, prejudicaremos o seu crescimento de forma sistemática. Precisamos permitir sua liberdade – e permitir sua maturidade.
• Conferencista do Fronteiras do Pensamento 2020, Jonathan Haidt é psicólogo social e professor de liderança ética na Escola de Negócios Stern da Universidade de Nova York e coautor (com Greg Lukianoff) de The Coddling of the American Mind. Pamela Paresky é professora sênior em desenvolvimento e psicologia humana na Fundação pelos Direitos do Indivíduo na Educação. Ela foi pesquisadora-chefe de The Coddling of the American Mind.
The Guardian – Crédito da imagem: Xavier Mouton
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