Sociologia e Política

A pena de morte das ruas do Rio de Janeiro

Uns metros de fita, um punhado de gente que uiva, e um atirador. Embora não exista na letra fria da lei, a pena de morte foi aplicada na prática com Patrick Soares, de 20 anos. Patrick deveria, provavelmente, estar em prisão, mas um homem resolveu sentenciá-lo com seis tiros em plena rua nesta terça feira. Não foi em Filipinas, onde seu presidente promove o extermínio de narcotraficantes ou viciados. Foi em Duque de Caxias, a meia hora de carro do centro do Rio de Janeiro.

Patrick, um jovem moreno com brincos nas orelhas, saiu de uma festa às 7h da manhã da terça-feira. Estava acompanhado pelo seu irmão de criação, de 16 anos, e um amigo. Montados em duas motos, no caminho para casa, Patrick anuncia que pretende assaltar uma mulher e o amigo o acompanha dirigindo a motocicleta. O irmão disse que desistiu da empreitada, deu meia volta e foi embora. Em algum momento entre o anúncio do assalto e o crime realmente acontecer, moradores da região prenderam Patrick aos gritos de “pega ladrão”. Foi imobilizado da barriga para baixo com braços e pernas nas costas amarradas com fita.

Foi nesse momento que o irmão resolveu voltar e se deparou com a cena. Não teve muito tempo para reagir porque o grupo, a maioria homens, também o pegou, o arrastou pela rua e amarrou suas mãos alertando que não iriam soltá-los até a polícia chegar. Mas alguém, ainda não identificado, decidiu por todos antes de os agentes aparecerem.

Dentro de um Palio, pelo menos um homem – os PM’s que atenderam a ocorrência falaram de vários – parou ao ver a confusão e perguntou o que estava acontecendo. Os moradores e comerciantes relataram a tentativa de assalto e que estavam esperando uma viatura. “Pô, viatura? Vai dar trabalho para os policiais? Sai daí, sai, sai!”, disse o atirador, segundo o relato em aúdio de uma das testemunhas. Sem muita mais conversa o recém chegado atirou. Seis vezes. Duas na cabeça, três no tórax e uma no braço esquerdo. Todos correram enquanto o homem ia em direção ao irmão. Alguém disse que o rapaz não tinha relação com o assalto e o menor foi absolvido. A polícia investiga agora se os justiceiros eram milicianos, os braços da lei onde o Estado é ausente, e se foram chamados por algum morador. Poderiam estar efetivamente com sede de justiça ou avançando na conquista do bairro, hoje dominado pelo tráfico. Não importa mais.

A reportagem tentou contato com a família de Patrick, que não tinha passagem policial, sem sucesso. Durante o enterro, nesta quarta-feira, uma prima do jovem desabafou ao jornal Extra: “É muita maldade no coração do ser humano. Se ele estava roubando, não cabia à população julgar. Pelo que eu entendi, na hora, quando as pessoas o agarraram, ele não conseguiu se expressar, se defender.”

O caso de Patrick é mais um num país onde acontece um linchamento por dia, conforme documenta o sociólogo José de Souza Martins, autor do livro Linchamentos – A justiça popular no Brasil (Contexto, 2015). Em setembro do ano passado, também em Duque de Caxias, um linchamento teve um desfecho similar. Um homem apareceu do nada e atirou quatro vezes no rosto de Ronaldo Silva Santos que, alcoolizado, acabava de atropelar uma família que saía da igreja e acabou matando duas crianças. Também na época se especulou sobre um miliciano. Outros casos de linchamento ou execução em plena rua se repetiram na abandonada Baixada, mas também em zonas nobres da cidade. Em 2014, um garoto foi amarrado a um poste com a trave de uma bicicleta, e espancado por um grupo de justiceiros no bairro do Flamengo.

Atos de justiça popular, quase sempre registrada em vídeo, têm se repetido inclusive em Copacabana, em vingança aos assaltos coletivos nas suas praias. E a prática repete-se no Brasil todo. Em convesra com o EL PAÍS em 2015, Souza disse que esse cenário refletia um país onde as instituições não funcionam e a Justiça é morosa, cara, complicada. “Ninguém vai esperar um processo porque já está convencida de quem cometeu o crime. A instituição judiciária no Brasil sempre foi um luxo para quem pode pagar um advogado, para quem conhece as regras”, afirmou Souza, após o linchamento e morte de um suposto ladrão em um bairro pobre de São Luís, no Maranhão. “Nós temos duas sociedades, uma que segue as regras do estabelecido e outra que não as segue porque não concorda com elas”.

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