“O mundo não será destruído por aqueles que fazem o mal, mas por aqueles que os olham e não fazem nada. ” Albert Einstein.
Na primeira metade do século passado, Bertolt Brecht lançou um questionamento que parece hoje estar ainda mais atual. A problematização vinha através da seguinte frase: “Que tempos são estes em que é preciso defender o óbvio? ”. Bom, talvez alguém diga que isso só se aplica à época, devido a segunda guerra e ao crescimento do fascismo. Entretanto, os que assim pensam, infelizmente, estão enganados.
Um dos pontos que levam à atualidade das palavras de Brecht está na crise dos refugiados. Fugindo de guerras, da fome, da miséria, da destruição, milhares de pessoas oriundas, sobretudo, da África e do Oriente Médio, se lançam em “aventuras” nada hollywoodianas, na tentativa de chegarem a algum lugar em que possam empreender uma dose de dignidade e humanidade em suas frágeis existências.
Nessas aventuras épicas, principalmente no Mar Mediterrâneo ou “Mar das hipocrisias”, milhares desses sonhos de uma vida melhor caem e imergem no mar, afundando até que não haja mais oxigênio suficiente para mantê-los vivos. Não adianta gritar ou pedir socorro, não há salva-vidas neste território. É preciso seguir à risca a lei do “cada um por si e ninguém por todos”.
Para os que conseguem chegar, existe um aparato afetivo formado por arame farpado, grades e armas em punho para proteger as fronteiras. Esses elementos formam os campos de refugiados, lugar destinado a todos que decidiram fazer uma “trip” pela Europa e conhecer os encantos do velho mundo, ainda que ele não seja o único destino dos turistas, digo, refugiados.
Perdoem o tom irônico, mas não há como ser diferente uma vez que vivemos a pior crise humanitária desde a segunda guerra mundial e, além disso não ser pauta constante de discussões, há ainda o endurecimento normativo em relação à entrada de imigrantes nos principais polos receptores dos mesmos.
Prova disso foi a condenação do fazendeiro francês “Cedric Herrou” ao pagamento de uma multa de aproximadamente 10 mil reais por ter ajudado migrantes a cruzar a fronteira vindos da Itália e recepcioná-los em sua fazenda que fica na região de “Tourrettes-sur-Loup”, na Riviera Francesa. A região é emblemática, pois também foi utilizada por judeus para fugir da perseguição nazista durante a segunda guerra mundial.
De forma corajosa, Cedric não nega as acusações e diz ser seu dever ajudar os migrantes que correm muitos riscos ao tentarem atravessar a fronteira sozinhos. O grande problema é que o ato extremamente humano do fazendeiro é ilegal. No entanto, nem sempre o que é legal é humano. Existem inúmeras provas disso ao longo da história, inclusive, o holocausto nazista.
Desse modo, no momento em que há o desrespeito a leis que tratam outros indivíduos como “lixo humano”, há de se considerar que o mais correto a se fazer é desobedecer às leis, como fez Cedric e como fez Gandhi na sua luta pela liberdade na Índia. Aliás, é de Gandhi a frase que calha bem ao argumento citado: “Quando uma lei é injusta, o correto é desobedecer”.
Outra frase do “Bapu” completa com enorme verdade o raciocínio: “A pobreza é a pior das violências”. Os migrantes fogem da pobreza, seja ela material, seja ela espiritual. Não há humanidade na guerra, na violência, assim como, não há beleza na fome, na miséria, em crianças que morrem por falta de um pedaço de pão.
Apesar de saber disso, o Ocidente vira as costas para esse problema, como se não fosse em nada responsável por vários desses males. Todavia, essas potências que hoje endurecem as suas leis e aplicam sanções a sujeitos que ainda possuem na sua constituição a capacidade de se colocar no lugar do outro, são as mesmas que exploraram e exploram as regiões das quais os migrantes fogem. Ou seja, são responsáveis por roubar o pão, mas não são para dividir os mesmos. Lógica egoísta e desumana para um mundo egoísta, desumano e desigual na mesma medida.
E, dessa maneira, os migrantes, refugiados, “turistas”, chegam do outro lado do mar e embora não encontrem a mesma pobreza material das terras que fugiram, encontram uma pobreza espiritual mesquinha que desnutre ainda mais o sonho de encontrar a humanidade que tanto procuram.
Se na segunda guerra aqueles que escondiam e protegiam os judeus em suas propriedades estavam sob enorme risco de morte por praticar atos ilegais; hoje, pessoas que protejam e ajudem outras que não estão saindo dos seus lares por vontade própria, e sim, por ansiarem por uma vida que seja mais do que não estar preocupadas o tempo inteiro se uma bomba vai explodir nas suas cabeças ou se conseguirão ter mais um dia de vida sem se alimentar, podem ser condenadas ao pagamento de multa ou coisa pior.
E, assim, a história se repete, nós não aprendemos com os nossos erros, novas “Anne Frank” estão morrendo e o nosso mundo cada vez mais globalizado, se torna igualmente mais desumano. Posto isso, eu refaço a pergunta: “Que tempos são estes em que é preciso defender o óbvio? ”
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