Mesmo depois de morto o comediante Charles Chaplin continuou protagonizando histórias cômicas. Essa que se relata aqui poderia muito bem ter saído de sua mente criativa. Mas não, não saiu dele, embora ele (aliás, seu cadáver) estivesse, compulsoriamente, no elenco. Poderia também ser um roteiro de filme de terror, caso não fosse o desfecho, que combina mais com as comédias de Carlitos.
Tudo aconteceu quando dois sujeitos tiveram a brilhante ideia de como descolar uma grana. Bandidos profissionais, quando bolam algum plano de descolar grana, geralmente optam por assaltar um banco, uma joalheria ou qualquer outro estabelecimento que disponham do que eles procuram — outros se arriscam em sequestrar endinheirados. Mas os amadores se arranjam com o que podem. E esse foi o caso desses dois.
Em março de 1977, toda a polícia da Suíça, mais a Interpol, foram mobilizadas para solucionarem um caso inusitado. Tratava-se de resolver um caso complicado de sequestro, porém não era qualquer sequestro, pois a vítima já estava morta (e estivera até enterrada).
Todos os dias, em todo o mundo, túmulos são violados e seus adornos saqueados; em alguns casos até cadáveres são levados, e foi o que aconteceu nesse, apenas com a ressalva que o cadáver em questão era o do famoso comediante Charles Chaplin.
Mas por que diabos alguém se arriscaria a violar e carregar o cadáver de um astro do cinema? A resposta é grana. Era um sequestro mesmo, quase nos moldes convencionais, se não fosse pela condição da vítima já está morta.
Os inteligentes ladrões entraram no cemitério de Corsier-sur-Vevey, Suíça, removeram a terra, que ainda estava razoavelmente fresca, pois Chaplin havia sido sepultado três meses antes, retiraram o corpo e o carregaram consigo para um lugar desconhecido até então. A primeira parte do plano, cuja execução sugeria mais riscos, foi moleza, portanto a segunda etapa não deveria ser tão difícil. Tudo perfeitamente correndo dentro do planejado. Mas profissionais são profissionais e amadores são uns destrambelhados, por isso mesmo essa comédia da vida real não tinha como dar certo.
Evidente que um fato dessa natureza ia gerar muitos boatos, alarmes falsos e trotes de todos os tipos. Os adeptos à teorias de conspirações elaboravam explicações e cada um tinha a sua, que ora apontavam os antissemitas como responsáveis pelo sequestro (rumores da época diziam que Chaplin era judeu), contrários a que o corpo de Chaplin repousasse num cemitério anglicano, ora culpavam os nazistas que estariam se vingando do fato do astro ter zombado de Hitler no filme “O Grande Ditador”.
Nisso passam-se os dias, e semanas, e meses. Dois meses e meio sem que a polícia achasse uma pista real do paradeiro do corpo. A vida da família Chaplin vira um inferno. Telefonemas, trotes com informações falsas e de pessoas se dizendo de posse do corpo. Algumas dessas ligações impostoras iam mais longe e ameaçavam as vidas dos filhos de Charles Chaplin. Mas, não passava disso, ainda que a polícia se esforçasse, o misterioso roubo dos restos mortais do comediante continuava sem perspectivas de ser resolvido. Porém (e sempre tem um porém), entre essa multidão de telefonemas e informantes, um deles estava dizendo a verdade.
Voltamos aos ladrões e suas condutas amadoras. Eles sequer eram ladrões de fato, eram apenas dois mecânicos que, num surto de inteligência, tiveram essa brilhante ideia para levantar uma grana. Mecânicos são ótimos em seus ofícios, mas para negociar resgates de sequestros não se saem muito bem, pelo menos nesse caso em particular. A viúva de Chaplin, que nunca teve a intenção de pagar um centavo sequer para recuperar seu morto, passou a dar mais atenção a um dos supostos informantes, que lhe pareceu realmente nervoso nas ligações. O despreparo dos autores ficou evidente quando primeiro pediram 600 mil francos suíços (pouco mais de 2 milhões de reais), mas não sustentaram o valor e foram diminuindo a cada negativa da família. Já na primeira negativa os desastrados ladrões do túmulo decidiram trocar de moeda, exigindo agora 600 mil dólares americanos, valor inferior ao correspondente em francos suíços. Não funcionou, então eles continuaram diminuindo até chegar a 100 mil dólares. Aí funcionou, a família concordou.
Mas era uma cilada, uma armadilha tão batida, tão aparentemente amadora quanto o desempenho dos mecânicos na negociação. Dificilmente um sequestrador experiente cairia nela, mas os dois rapazes em questão eram só dois trapalhões tentando se dar bem. E o que acontece em seguida é algo digno das melhores comédias de Carlitos.
Os ladrões haviam exigido que o mordomo da família se encarregasse de levar o dinheiro até o local combinado, então um agente da polícia se passou pelo mordomo e dirigia o Rolls Royce quando um carteiro local, ao ver um desconhecido
Mas os ladrões não se desistiram e prosseguiram os acertos, demonstrando cada vez mais que eram só dois ignorantes inexperientes. Dessa vez eles informaram, com assombrosa precisão, que telefonariam novamente para a residência dos Chaplin para renegociar o resgate em 17 de maio às 9h30. A polícia lançou uma operação de vigilância sobre mais de 200 cabines telefônicas de Lausanne e assim conseguiu deter Roman Wardos, um polonês de 24 anos, e depois seu cúmplice Gantscho Ganev, um búlgaro de 38.
Confessado o crime e os motivos, que como relatado aqui era a alegação de obter grana, falta agora eles revelarem onde estavam mantendo o corpo sequestrado. Eles não sabiam, ou melhor, sabiam, mas não se recordavam mais do local exato. Só recordavam que o haviam enterrado “em um campo de milho”. A chuva tinha feito com que as plantas crescessem profusamente e, depois de vários dias de busca, a polícia o encontrou em uma plantação de trigo a um quilômetro da mansão dos Chaplin.
A paisagem era muito bonita, tanto que a viúva chegou a comentar que era uma pena ter que retirá-lo dali, mas foi retirado e sepultado novamente em seu túmulo original. Dessa vez foi usado concreto para dificultar que outros se rendessem à tentação de levar o velho comediante a essas aventuras novamente.
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