Filosofia

Sêneca e a Raiva – Alain de Botton

 

Aqui apresentamos um vídeo que é parte de um documentário composto de seis episódios, chamado Filosofia: um guia para a felicidade (2000) produzida pela BBC, que é baseada no livro “As consolações da filosofia” do escritor suíço Alain Botton. Tanto no livro, quanto na série, Alain de Botton apresenta as ideias de seis filósofos e suas “respostas” para algumas das mazelas humanas, como a ira , o sentimento de inadequação ou inferioridade, as dificuldades de viver, a falta de dinheiro, o sofrimento por amor, a falta de confiança…

Nessa parte (vídeo), Alain Botton discorre sobre o pensamento do filosofo Sêneca a respeito da “raiva”.

Para o filósofo romano Sêneca, ficaríamos mais tranquilos e preparados para a vida se fôssemos mais realistas, aceitando o mundo como ele é (com suas dificuldades inevitáveis), e não como gostaríamos que ele fosse.

Para Sêneca, a ira e as frustrações ocorrem porque criamos uma expectativa de uma vida quase perfeita e nos surpreendemos tendo essas reações irracionais aos revezes. Porém, as dificuldades e fracassos são inerentes à própria vida. Para o filósofo romano antigo, se não podemos mudar as coisas, podemos mudar a nossa atitude diante dos problemas que são inevitáveis.

 

Abaixo o vídeo (legendado)

Melhores Trechos:

“Eu me sentia atraído pela ideia da filosofia. Eu a via como uma matéria prática, capaz de fazer diferença no mundo.

A vida moderna é cheia de frustrações, e a maioria das pessoas não parece capaz de reagir filosoficamente a elas. Nós perdemos as estribeiras.

Sêneca foi o filósofo mais conhecido e popular de sua época. Ele escreveu mais de 20 livros com conselhos práticos sobre todos os aspectos da vida.

Sêneca vivia, literalmente, sem saber o dia de amanhã, pisando sobre terreno instável […]

Ele teve de assumir, contra a vontade, o cargo mais ingrato da administração do Império: o de tutor de um menino de 12 anos […] o futuro imperador Nero. Logo ficou claro que Nero era um psicopata homicida.

Andando pelo palácio subterrâneo de Nero, começamos a entender por que Sêneca se preocupava tanto com a ira. Nero era um homem com poderes absolutos.

As pessoas eram trazidas para essas câmaras e executadas em massa. Ele atirava romanos aos leões, decapitava-os, lançava-os aos crocodilos e desmembrava-os vivos. Virgens capturadas nas ruas eram trazidas para cá e mortas, gladiadores que não se saiam bem eram lançados aos lobos…

Vendo resultados tão tremendos da ira, Sêneca ficou desesperado para abrandá-la.

Ele dedicou um livro inteiro, intitulado “Da Ira”, a esse tema. “A mais terrível e furiosa das emoções”, ele descreveu. Mas recusava-se a vê-la como uma explosão irracional e incontrolável.

Que tipo de coisa deixa você irritado,… irado no trânsito?

Na visão de Sêneca, as pessoas ficam com raiva porque criam muitas expectativas.

Todos os dias leva fechadas e vê barbeiragens. A cada vez, fica surpreso e furioso! É como se você ficasse surpreso por ver a mesma cena de novo.

Não acha que seria bom ser mais pessimista com o trânsito? Ou admitir que as pessoas não sabem dirigir? Num ataque de ira, sentimo-nos surpresos e injustiçados.

O que Sêneca diria é que confusões e barbeiragens no trânsito não são injustas nem surpreendentes, mas um fato previsível da vida.

Sêneca acreditava que um dos motivos para nossa raiva é imaginarmos que as coisas sempre têm de ser como queremos, que somos capazes de moldar o mundo segundo nossos desejos. Mas não somos. Há muitas coisas que temos de aceitar.

Sêneca fez uma comparação inusitada: ele disse que somos, basicamente, como cães amarrados a uma carroça em movimento. A correia é longa o bastante para nos dar alguma liberdade, mas não para permitir que cada um vá para onde quiser.

O cão logo se dá conta de que, para aumentar sua chance de ser feliz, ele precisa, algumas vezes, se contentar em seguir a carroça […] É bem melhor segui-la para onde você não quer ir do que se debater contra algo que não pode mudar.

Mas levamos uma vantagem sobre os animais: somos dotados de razão. Essa razão nos dá um trunfo: a capacidade de perceber o que podemos e o que não podemos mudar.

Talvez não possamos alterar certos acontecimentos, mas podemos mudar nossa atitude com relação a eles. Era essa capacidade, para Sêneca, que conferia a liberdade que nos distingue como humanos.

Mas Sêneca não é útil apenas em nossos momentos de fúria. Sua filosofia nos dá um meio de ficarmos calmos e controlados diante de qualquer adversidade.

Sêneca fez uma constatação surpreendente: a riqueza torna as pessoas mais cheias de raiva, e não mais calmas […] O filósofo concluiu que o problema de ricos é que eles tinham expectativas absurdas.

Quanto mais rico você for, mais expectativas tende a ter. Quando elas são frustradas, a fúria emerge.

Os ricos acreditam que o dinheiro vá protegê-los de reveses e frustrações e essa é a experiência mais absurda de todas.

Nosso amigo Sêneca dizia uma coisa. Ele pensava que o mais estressante é o que nos pega de surpresa.

Se você admitir que as coisas podem dar errado […] quando essas coisas acontecerem, você já estará preparado. Ele dizia que a melhor forma de combater a raiva é estar preparado.

Mas pode deixar você ainda mais estressado, se for imaginar com antecedência tudo o que pode dar errado. Tento manter o pensamento positivo. Mas pode só se preparar calmamente, sem paranóia.

Costumamos confortar as pessoas dizendo que “tudo vai ficar bem”. Para Sêneca, essas palavras de suposto apoio podem ser cruéis, pois deixam a pessoa despreparada para situações adversas.

Ele recomendava uma reflexão tranqüila, mas diária, sobre tudo o que pode dar errado.

Sêneca não proibiria de esperar que as coisas funcionassem bem. Ele só gostaria de vê-lo preparado psicologicamente para o contrário.

Mesmo quando tudo parece tranqüilo, pode sobrevir o desastre. A melhor maneira de nos protegermos é estarmos preparados psicologicamente.

Tendemos a pensar que o legado mais importante dos filósofos são os livros que escreveram, onde todo o alento e sabedoria estão concentrados. Mas os antigos agarravam-se à crença mais abrangente de que também devemos buscar inspiração, nos momentos de necessidade, na forma como os filósofos viviam e morriam”.

 

 

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