Muitos de nós tendemos a ter em nossa mente todos os tipos de estereótipos porque, de uma maneira ou de outra, temos o costume de avaliar uma pessoa de acordo com sua aparência ou estilo de vida. No entanto, isso está longe de ser o melhor caminho. O escritor russo Sergey Kobakh, em sua história A casca (na tradução livre para o português), procurou transmitir a todos exatamente essa ideia. No final Sergey, conta quem era um dos heróis de sua narrativa, mostrando que essa história é real.

Alguns garotos carregando uma enorme caixa subiam pela escadaria do edifício. Na verdade, a caixa era pequena, mas as crianças não eram grandes, tinham cerca de 10 anos, então a caixa nas mãos delas parecia enorme. Os meninos se vestiam de acordo com o clima: gorros de lã, botas com forro nos pés e algo que parecia uma jaqueta ou um casaco de aspecto terrível. Em geral, tinham a mesma aparência das outras crianças baderneiras do bairro.

— Senhor! O menino que não carregava a caixa então tocou na manga da minha blusa. — Você não precisa de um filhote de cão?

— Não, por quê? Estão vendendo filhotes?

— Não, senhor, alguém os deixou embaixo da escada em uma caixa e eles choramingavam muito… Dá para ver que eles precisam de um lar.

Abri uma das tampas da caixa, que o segundo garoto pressionava contra o peito. Senti um mau cheiro e vi 5 pares de olhos de filhotes me olhando. Eram gordinhos, redondos e tinham caudas pequenas. Eles não choramingavam, apenas me olhavam de cima para baixo.

— Não, garotos, não preciso de um. Eu tenho 2 gatos em casa. Receio que não façam amizade com seus filhotes.

A explicação dos “2 gatos” foi aceita com compreensão. Com um suspiro, as crianças fecharam a caixa e saíram com a carga viva em busca de futuros proprietários.

Triiimmm… Tocou a campainha de um dos meus vizinhos. Depois de meio minuto, a porta se abriu e meu vizinho apareceu na porta. Não sei em que trabalhava, mas, à primeira vista, parecia ser professor ou chefe de um pequeno departamento de roupas femininas. Sempre se vestia com cuidado e carregava uma maleta. Também me lembro de ele fazer uma careta de apreensão ao tocar a maçaneta da porta da entrada do prédio. E de que fazia comentários. Em geral, comentários politicamente corretos, sobre “não fumar no elevador, não cuspir e não jogar lixo no chão”. Um homem normal.

— Quem é? O vizinho olhou para os meninos sujos e fez sua careta de sempre.

— O senhor não precisa de um filhote?, perguntou esperançosamente o menino que não segurava a caixa. — Olhe que lindos!, disse apressado em mostrar a beleza dos bichos, abrindo a caixa.
— Saiam, monstros! E levem com vocês seus bichos pulguentos! O garoto estreitou os olhos com o grito do vizinho e os filhotes se aconchegaram, tentando se esconder no fundo da caixa.

— Se os trouxerem aqui mais uma vez, jogarei todos vocês escada abaixo!

Os meninos se afastaram daquele apartamento inóspito correndo, mas carregando a caixa com as 5 caudas com muito cuidado.

— Vamos tentar aqui, sugeriu um. — Aqui mora uma senhora. Talvez queira um. Ou talvez 2, especulou, sonhador.

Alguém suspirou profundamente.

— Trim-trimmm-triimmm… , tocou a campainha e a porta se abriu imediatamente. “A senhora”, aparentemente, estava prestes a ir para algum lugar, então abriu a porta na hora.
— Você não precisa de um filhote? Eles são lindos e bons! O garoto tirou um dos filhotes da caixa, acreditando que em suas mãos o presente vivo pareceria mais apresentável.

…..uma palmada pesada bateu logo abaixo das mãos que seguravam o cachorro. Este grunhiu alto e voou, sacudindo as patas no ar, mas o garoto conseguiu pegá-lo, colocando a bola de pelo embaixo da jaqueta.

— Se vierem aqui mais uma vez, eu jogarei todos escada abaixo, juntamente com seus cães fedidos!

A porta se fechou e os meninos continuaram subindo.

— Por acaso é um “cachorro”? Ainda são filhotes!, disse um, perplexo.

… Depois várias campainhas tocaram, as portas se fecharam e as pessoas gritaram. Ninguém precisava de filhotes. E o futuro dos animais, já que fazia 40 graus negativos na rua, era um só: morrer congelados no térreo frio do edifício. Na verdade, foi dali que esses meninos pegaram sua carga, deixando duas mochilas escolares para ser mais fácil subir a escada com aquela caixa pesada.

Uma hora depois, faltava apenas o apartamento do Alex, o alcoólatra. Ele foi deixado por último de propósito, porque Alex era um homem mau, de caráter pesado e tinha um olhar de lobo. Não dava para dizer que fosse completamente alcoólatra, mas sempre cheirava a álcool. E suas ações eram completamente imprevisíveis. Assim, as crianças o deixaram para visitar justamente por último, e com razão, supondo que não apenas ouviriam uma avalanche de insultos por causa dos filhotes. Eles poderiam, inclusive, receber alguns tapas. Alex não gostava de pessoas e as pessoas não gostavam de Alex. Mas havia uma diferença entre eles: Alex não tinha medo das pessoas, mas as pessoas tinham medo dele. Como não temer um homem forte, com a barba por fazer, sempre bêbado, que olha para você com a aparência de um lobo?

— Toc, toc…. A batida cuidadosa na porta mostrava que a esperança de encontrar um lar para os filhotes tinha desaparecido quase que completamente. E também mostrava que aquela campainha não funcionava.

Atrás da porta, deu para ouvir um insulto rouco, algo caiu, alguém se levantou e a porta se abriu. Olhos zangados e profundos olharam de cima para as crianças caladas pelo medo.

— E então? Berrou a cara assustadora que cheirava a álcool. — O que querem?

Os meninos, cujos joelhos tremiam de medo, tinham esquecido completamente o que queriam dizer e por que tinham ido para lá. Eles olharam em silêncio e com horror indescritível para o homem enorme e hostil e temeram até pensar no que aconteceria a seguir.

— Isso… aqui… Você não os quer? Gaguejou com uma voz trêmula o menino que carregava a caixa. E o primeiro, imaginando o que aconteceria ali, simplesmente fechou os olhos, percebendo que não teriam mais tempo para fugir. Mas o desejo de salvar os filhotes superou o medo. — Pegue-os, por favor, caso contrário, vão morrer.

Alex olhou para os meninos, depois para a caixa e lentamente estendeu suas mãos peludas e sujas.

E então algo incrível aconteceu. As crianças entenderam a verdade simples de que uma pessoa boa não é aquela que se mostra boa por fora, mas a que é boa por dentro. Embora seja alcoólatra, rude e antissocial.

Alex ficou com a caixa inteira de filhotes. Durante uma semana, vimos ele carregando pacotes com leite, alimentos de uma loja de animais, entre outras coisas. E então, perto do depósito de carros onde trabalhava como vigia, construiu uma casa de madeira e transferiu os “moradores” para lá. Agora não são mais filhotes barulhentos, mas um bando de guardiões dos mais sérios e, mais importante, obedientes e leais.

Alex não mudou. Ele ainda bebe e olha para as pessoas com hostilidade. Mas entre os meninos do bairro goza de autoridade e respeito inquestionáveis. E, caso alguém não saiba, é muito difícil conquistar o respeito dos baderneiros do bairro.

P.S. Escrevi essa simples história para lembrar, em primeiro lugar que tudo o que está fora é apenas a casca. O importante é o que há dentro. Além disso, não podia deixar de escrever, porque um dos meninos que carregava uma caixa igual no distante ano de 1984 era eu.

Adaptado do site Bright Side

(originalmente publicado em português pelo incrivel.club)







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