Quantos amigos você tem no Facebook? 500? 5000? Essas perguntas dificilmente importariam, porque o que está em jogo aqui é o que você entende por “amigo”.
“Um viciado em Facebook me confessou, não confessou, de fato, mas gabou-se para mim de que havia feito 500 amigos em um dia. Minha resposta foi que eu tenho 86 anos, mas não tenho 500 amigos. Eu não consegui isso. Então, provavelmente, quando ele diz ‘amigo’ e eu digo ‘amigo’, não queremos dizer a mesma coisa. São coisas diferentes”, explica Zygmunt Bauman.
Nada de novo saber que conceitos mudam conforme o desenvolvimento da sociedade. Não se trata disso. Trata-se de se questionar se, neste processo de mudança, algo crucial foi perdido. Para Zygmunt Bauman sim. Habilidades sociais básicas, necessárias para qualquer interação humana, estão gradativamente sendo perdidas na rede.
Já leu em algum site sobre a rapidez com que as pessoas começam e terminam relacionamentos amorosos hoje em dia? Ou sobre como somos uma sociedade que “desiste fácil” das relações? Isso lhe soa familiar? Quantos amigos você deletou este ano? Com quantos destes você conversou antes de fazê-lo?
Estas questões foram apresentadas pelo sociólogo polonês em um dos top 10 vídeos mais assistidos de Zygmunt Bauman no Fronteiras e também em uma entrevista que concedeu ao El País. Reunimos os conteúdos e vamos propor uma boa reflexão sobre o que estamos fazendo das nossas vidas e sobre o que faremos com a maior consequência desta facilidade em deletar relações: a solidão e a sensação de abandono, “os grandes medos nestes tempos de individualização”.
Quando eu era jovem, eu nunca tive o conceito de “redes”. Eu tinha o conceito de laços humanos, de comunidades, esse tipo de coisa, mas não redes. Qual é a diferença entre comunidade e rede? A comunidade precede você. Você nasce numa comunidade. Por outro lado, temos a rede.
O que é uma rede? Ao contrário da comunidade, a rede é feita e mantida viva por duas atividades diferentes. Uma é conectar e a outra é desconectar. E eu acho que a atratividade do novo tipo de amizade, o tipo de amizade do Facebook, como eu a chamo, está exatamente aí. Que é tão fácil de desconectar. É fácil conectar, fazer amigos. Mas o maior atrativo é a facilidade de se desconectar.
Imagine que estamos falando não de amigos online, conexões online, compartilhamento online, mas sim de conexões offline, conexões de verdade, frente a frente, corpo a corpo, olho no olho. Neste caso, romper relações é sempre um evento muito traumático. Você tem que encontrar desculpas, você tem que se explicar, você tem que mentir com frequência e, mesmo assim, você não se sente seguro, porque seu parceiro diz que você não tem direitos, que você é um porco etc. É difícil. Na internet é tão fácil, você só pressiona delete e pronto. Em vez de 500 amigos, você terá 499, mas isso será apenas temporário, porque amanhã você terá outros 500, e isso mina os laços humanos.
Os laços humanos são uma mistura de bênção e maldição.
Bênção porque é realmente muito prazeroso, é muito satisfatório ter outro parceiro em quem confiar e fazer algo por ele ou ela. É um tipo de experiência indisponível para a amizade no Facebook; então, é uma bênção… E eu acho que muitos jovens não têm nem mesmo consciência do que eles realmente perderam, porque eles nunca vivenciaram esse tipo de situação.
Por outro lado, há a maldição, pois quando você entra no laço, você espera ficar lá para sempre. Você jura, você faz um juramento: até que a morte nos separe, para sempre. O que isso significa? Significa que você empenha o seu futuro. Talvez amanhã, ou no mês que vem, ou no ano que vem, haja novas oportunidades. Agora, você não consegue prevê-las e você não será capaz de pegar essas oportunidades, porque você ficará preso aos seus antigos compromissos, às suas antigas obrigações.
Então, é uma situação muito ambivalente e, consequentemente, um fenômeno curioso dessa pessoa solitária numa multidão de solitários. Estamos todos numa solidão e numa multidão ao mesmo tempo.
Em entrevista ao El País, o sociólogo polonês comenta outro conceito que está se transformando às custas da perda de uma capacidade elementar para o ser humano: o diálogo. “Diálogo real não é falar com gente que pensa igual a você.”
A questão da identidade foi transformada de algo preestabelecido em uma tarefa: você tem que criar a sua própria comunidade. Mas não se cria uma comunidade, você tem uma ou não; o que as redes sociais podem gerar é um substituto.
A diferença entre a comunidade e a rede é que você pertence à comunidade, mas a rede pertence a você. Na rede, você se sente no controle. Você pode adicionar amigos, se quiser, você pode deletá-los, se quiser. Você controla as pessoas com quem você se relaciona. Isso faz com que os indivíduos se sintam um pouco melhor, porque a solidão, o abandono, são os grandes medos nestes tempos de individualização.
Mas, nas redes, é tão fácil adicionar e deletar amigos que as habilidades sociais não são necessárias. Elas são desenvolvidas na rua, ou no trabalho, ao encontrar gente com quem se precisa ter uma interação razoável. Aí você tem que enfrentar as dificuldades, se envolver em um diálogo.
O papa Francisco, que é um grande homem, ao ser eleito, deu sua primeira entrevista a Eugenio Scalfari, um jornalista italiano que é um ateu autoproclamado. Foi um sinal: o diálogo real não é falar com gente que pensa igual a você.
As redes sociais não ensinam a dialogar porque é muito fácil evitar a controvérsia… Muita gente as usa não para unir, não para ampliar seus horizontes, mas ao contrário, para se fechar no que eu chamo de zonas de conforto, onde o único som que escutam é o eco de suas próprias vozes, onde a única coisa que veem são os reflexos de suas próprias faces. As redes são muito úteis, oferecem serviços muito prazerosos, mas são uma armadilha.
Crédito da imagem de capa dessa matéria: Ilustração Matteo Babbi
Matéria originalmente publicada no site fronteiras.com
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